Um estranho e imprevisto visitante que chega do nada e em
horário impróprio e que, aos poucos, vai devassando a privacidade domiciliar de
um misterioso bunker, perscruta os mais íntimos segredos dos personagens, provoca
e reacende desejos, ao mesmo tempo em que deslumbra e causa medo.
Equilibrando-se entre o teor metafórico e a nuance realista,
a quarta incursão dramatúrgica de Gustavo Pinheiro titulada de Os Impostores
teve, desta vez, uma colaboração textual de Rodrigo Portella que assume, ainda, a direção/concepcional do espetáculo.
Uma abordagem temática que já nos acostumamos a ver em momentos
cinematográficos antológicos, com substrato psico - político, do
Marcel Carné de Visitantes da Noite
ao Teorema de Pasolini. Mas que
encontramos também, sob contexto literário, no romance derradeiro de Lúcio Cardoso – O Viajante.
E que nesta idealização cênica remetendo, como nos filmes
citados, à ambiência de uma burguesia que insiste em resistir, no entremeio de
uma temporalidade de signo pós-apocalíptico, na afirmação de seus privilégios materiais,
através de seus requintes de opulência e na prevalência de seus gostos
luxuriosos.
Aqui, no convívio comum dos cinco habitantes de morada subterrânea,
localizada abaixo da montanha carioca que sediara, em tempos pré-catástrofe, um
complexo turístico. Até que chega à porta do bunker um viajante testemunho da derrocada
terminal do mundo exterior e acaba integrando, como hóspede, o remanescente núcleo
familiar.
Viabilizado na representação dos pais (Tairone Vale e Carolina
Prismel), da filha (Pri Helena), do primo (Murilo Sampaio) e da empregada (Suzana
Nascimento), aos quais se acrescenta o
visitante (Guilherme Piva) todos em atemporal indumentária (Tiago Ribeiro), sustentada
entre o coloquial e o exótico.
Em simbolização plástica da permanência de elementos residenciais ostentatórios no retrato
cenográfico (Julia Deccache) de um palco vazado, expositivo de seus bastidores, até a sua porta emergencial entre o espaço interior e a rua, servindo de
entrada para o enigmático emissário.
Estendendo-se à climatização de estilizado espaço ocultista nos
funcionais efeitos luminares (Luzia Molinari de Simoni) e às incidências sonoro-musicais
de uma original trilha (Marcelo Alonso Neves), sob guia técnico de um controle
remoto utilizado pelos atores.
Onde um referencial inspirado no personagem de Molière este Tartufo, com o olhar armado na
contemporaneidade, mostra o presencial cada vez mais imanente deste seres messiânicos se julgando detentores da fórmula de
salvação para um universo em crise moral. E para os quais só o viés religioso seria capaz
de preencher as carências da condição humana.
Uma impostura que disfarça o oportunismo destes manipuladores
da verdade ou, numa linguagem terceiro milênio, mestres em fake news. Tão facilmente reconhecíveis e próximos da realidade vivencial de nossas governanças na habitual falácia de
seus discursos políticos.
E bem marcada na chegada deste falso profeta que encontra campo propício numa família
disfuncional, alienada por sua própria vulnerabilidade e pelo total desconhecimento
do que se passa longe de seu refúgio-fortaleza. Em caracterizações alterativas, ora mais
visceralizadas ora sob risco de ocasionais descompassos, na dependência de maior força de alguns dos personagens.
Desde um casamento de aparências presidido pelo apático patriarca,
com sequencialidade cíclica nos vícios ansiolíticos da esposa, nos conflitos de
identidade sexual do sobrinho e na
opressão da classe social de uma governanta/criada .
Sublinhado pelo contraponto crítico dos anseios libertários da adolescente e na corporificação
do diabólico e do interesseiro, no jogo condutor de preenchimento dos vazios de cada um dos residentes pelo hóspede
maquiavélico.
E é ao confrontar o
acionamento do onírico e da metáfora, enquanto
encenação de um pesadelo realista, que o comando direcional de Rodrigo
Portella se sintoniza, seguro outra vez, com o processo investigativo da dramaturgia atual.
Wagner Corrêa de Araújo
OS IMPOSTORES está em cartaz no Teatro Sesc
Ginástico, de quinta a sábado, 19h. Domingo, às 18h. 110 minutos. Até 1º de
Dezembro.
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