FOTOS/ LEEKYUNG KIM |
O curto período de convívio pessoal entre Vincent Van Gogh e Paul Gauguin, quando
este último resolve fugir das agitações de Paris e passar um tempo na calmaria
da província, entre Arles e Auvers-sur–Oise, no trimestre final de
1888, fez com que estes dois pintores
irmanassem, a partir de uma intimista amizade epistolar, seus simultâneos ideais
artísticos.
Mas, ao mesmo tempo, acabou por incitar viscerais desafetos e
agressividades que culminaram na partida
súbita e controvertida de Gauguin. E numa continuada auto-imolação de Van Gogh, reafirmando seu subjetivismo
com brutalidade física, iniciada pela amputação de sua orelha e,
sequencialmente, por um tiro suicida.
A esta altura todo um conturbado quadro psíquico já se
manifestara, com instantânea e áspera pulsão, levando o artista holandês a um
avançado estado de ceticismo e de depressiva
solidão. Que a chegada de Gauguin, ao
invés de sustar, transmutou em acirrado contraponto crítico, tanto no contexto estético como no dimensionamento
psicológico-existencial de ambos.
A narrativa dramatúrgica de Thelma Guedes para Van Gogh por Gauguin parte de um metafórico
insight nesta passagem decisiva na
definição dos propósitos de vida e de obra de um e do outro. Num imaginário delírio
provocado pela sífilis que acabaria levando Gauguin
(Augusto Zacchi) à agonia, onde este dialoga de seu leito mortal com o espectro
de Van Gogh (Alex Morenno), sob uma bem
urdida direção concepcional de Roberto Lage.
Em progressão dramática desenvolvida em tons, ora
confessionais (a partir de extratos veristas da correspondência de ambos), ora ficcionalizados com um referencial poético, sugestionando
uma passionária amizade de substrato estético
mas com perceptíveis caracteres de
atração homoafetiva.
Onde não há preocupação, tanto textual como direcional, de se ater à fidelidade biográfica e
cronológica na exposição dos fatos, levando-se em conta de que tudo não
passaria de um relato pessoal onírico, causado pela doença de Gauguin que, aqui, parece assumir o protagonismo
mor.
O que propicia maiores chances performáticas ao ator Augusto
Zacchi, mesmo com um tom acima em suas modulações, que ao seu parceiro de cena - Alex Morenno. Desde sua espectral figura como parte de um sonho
delirante do outro, tornando-se um personagem mais intimidado e com menor visceralidade em suas falas. Extensivo ao gestual mais comedido, apesar
de sua notável identificação visual com o retratado (Van Gogh).
Embora tivessem traços similares de incorporação visionária como
exponenciais estetas de uma época de abertura
a novas perspectivas para a criação plástica
e pictórica. Enclausurados, na verdade, ambos em suas respectivas insanidades nos recíprocos embates humanos e artísticos.
Para a sustentação
deste diálogo entre dois personagens-pintores, a iluminação (Kleber
Montanheiro) enfatiza tonalidades variacionais, entre sombras e cores, para
simular traços cromáticos das respectivas
obras. Inclusive com a intencionalidade de cobrir, abstratamente, a absoluta
ausência figurativa em telas brancas expostas ou manipuladas com miméticas pinceladas pelos atores.
Para a qual concorre interativa trilha sonora incidental (Aline
Meyer), com prevalência de acordes impressionistas,
marcando estilos e gêneros de uma época de
progressiva diluição do realismo
paisagístico e retratista.
Numa ambientação cenográfica (Paula De Paoli, incluída a indumentária)
de um atelier em processo de desconstrução à base de molduras, telas, cavaletes,
garrafas vazias, pincéis e quaisquer outros detritos dispersos aleatoriamente pelo
palco.
Como se refletissem os confusos estados de conturbação mental dos dois artistas/personagens Que por sua vez portam figurinos atemporais, com
manchas de tinta que se estendem aos trajes e à corporeidade dos atores.
Em espetáculo arquitetado para dar voz aos dois
pintores/atores, mesmo que a representação do papel de Van Gogh seja mais
alegorizada que a de Gauguin, na atenuação dos surtos causados por seus
fantasmas, o direcionamento das nuances diferenciais propostas aos dois
personagens e a entrega atoral fazem com que a montagem mereça ser
conferida.
Wagner Corrêa de Araújo
VAN GOGH POR GAUGUIN está em cartaz na Casa de Cultura Laura
Alvim (Teatro)/Ipanema, sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h. 75 minutos.
Até 27 de outubro.
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