FOTOS/ DALTON VALÉRIO |
O relacionamento físico-afetivo entre dois iguais, no entremeio de muitos embates milenares de intolerância e preconceito, tem a idade da raça humana. Em luta insana que nunca deixou de assumir cruéis facetas, com inumeráveis vitimizações, entre famosos e anônimos, sob um olhar sem qualquer perdão de seus contemporâneos.
Tendo sido menos velada em quase episódica trégua, na ancestralidade grega clássica,
no chamado amor aos meninos imberbes.
Onde o amante mais velho podia beijar o
amado e andar com ele, à causa da casta beleza juvenil provocadora de irresistível e permissiva pulsão sensual.
Com ato suspensivo pós lei mosaica cristã, lançando todos os
seus adeptos à ira de Deus. Para sempre condenáveis, pela vilania de seus
vícios e atos anormais, ao fogo do
inferno e, por outro lado, facilitando
a incitação de secular ódio social. Até a emblemática declaração de uma guerra total (Stonewall, 1969) às posturas excludentes dos
afetos homoeróticos, universalizando a bandeira LGBT como substitutivo do amor
que não podia dizer seu nome.
E é a partir da abordagem deste tema, de tanta urgência em momento
de temível retrocesso político/cultural, que o ator e autor teatral Leonardo
Netto faz visceral incursão dramatúrgica e performática através da sua peça 3 Maneiras de Abordar o Assunto. Na formatação de monólogo, sob a direção exponencial
de Fabiano de Freitas, outra vez sustentada com maestria no seu oficio cênico de
decifração da questão LGBT.
Em integralizada progressão dramática do ideário estético de
um espetáculo de assumida contenção cenográfica (Elsa Romero) com olhar armado em catártica representação solo (Leonardo Netto), desdobrando-se entre a dor e
a revolta, sem apelar para os clichês da auto-comiseração e da condescendência.
Contando com valioso substrato tecno-artístico, desde os efeitos luminares de climatizações emotivas (Renato
Machado) às assertivas incidências pop/rock/eletrônicas
(Leonardo Netto/Rodrigo Marçal), além do acerto na opção pela sobriedade de um figurino
coloquial (Luiza Fardin). Num processo investigativo que se desdobra em três
solilóquios, de sequencialidade cúmplice e complementar, sobre todas as formas da intolerância e do não consentimento à condição humana homossexual.
Do preconceito familiar ao bullying na escola e sua expansão na comunidade urbana, sob uma
implacabilidade persecutória com
resultados de criminalização assassina ou de desesperada purgação na
recorrência à auto-imolação. Sob assustador
relato descritivo de casos de repulsiva vitimização, incluídos os absurdos
índices do contexto brasileiro.
Sucedendo-se a este primeiro módulo - O Homem
de Uniforme Escolar, um
interregno histórico na retomada de quadro remissivo da rebelião nova-iorquina de
Stonewall, há exatas cinco décadas, e
aqui com simbiótico significado na sua
titularidade - O Homem com a Pedra na Mão.
Onde Leonardo Netto, em convicto e extraordinário tour de force alterativo, como narrador e intérprete, imprime diversas modulações verbais/gestuais (Marcia
Rubim), definidoras de personagens-signos numa madrugada
libertária e decisiva à celebração universal da data, 28 de junho, como o Dia do
Orgulho Gay.
Concluindo o incisivo tríptico sobre a problemática da homofobia, agora na sua transposição às
esferas do poder político e da governança, no segmento O Homem no Congresso Nacional. Com um registro, de nuance mais documental,
a partir do ainda difícil e pouco contumaz acionamento legislativo a favor da
causa.
Mas é na exposição final da subjetividade marginalizada do homossexual,
no impactante delírio de um amplo painel cinético, que, fica constatado o paradoxo
entre a misantropia e o altruísmo dos que saíram do armário e dos que precisam vencer o enclausuramento.
No desvendamento de que este optar pela diversidade resulta no atributo, além dos limites da
ambivalência, de aceitar um amor sem distinção de gênero e nas mais diversas dimensões.
Sem culpa e sem represália, assegurando a dignidade e o direito à livre escolha de qualquer cidadão.
Em sinérgica proposta metateatral de Leonardo Netto e Fabiano
Freitas que, reflexivamente, conduz a um emblemático e oportuno questionamento. Afinal, algum problema em querer ou poder ser assim?...
Wagner Corrêa de Araújo
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