No panorama dos controversos embates disfuncionais do sistema educacional
com o qual convivemos, através de informes midiáticos que diariamente perturbam
nossos corações e mentes, há as vítimas e os vitimizadores, entre pais e filhos, sem grande
diferencial nos propósitos de um lado ou do outro.
Um romance de Jean Cocteau – Les Enfants Terribles - já havia
mostrado, há quase um século (1929), o quanto o desequilíbrio na ambiência
familiar pode estender o conflito - genitores e filhos - ao meio social, produzindo
seres absolutamente abomináveis.
A começar da casa para a escola, através do comportamental superprotecionista
de pais em posições extremadas no front de defesa de seus rebentos, fazendo com
que estes últimos se identifiquem também como monstruosos déspotas na imposição de suas
vontades.
Neste habitual ato de classificar seus filhos como seres especiais acima da média,
qualificados demais a ponto de serem imunes a qualquer culpa em bullyings e faltas na convivência comum com
os outros colegas de classe. Na egotista avalição de supra paternalismo, considerando inferiores todos os outros diante do perfeccionismo genético de suas crianças.
Na recorrência a esta abordagem, o jovem ator, dramaturgo e diretor
argentino Emiliano Dionisi
surpreendeu o público e a crítica portenha com a peça Os Monstros, original de 2016. Que em sua proposta estética seria,
em verdade, um musical fora dos padrões do gênero, sombrio e bem humorado, irônico
e reflexivo, ao mesmo tempo lúdico e provocador.
Não só por sua composição cênico/sonora como por seu
substrato temático. Estruturado numa gramática dramatúrgica de breves e acelerados
monólogos, intermediados pela prevalência de alterativas canções solistas e episódicos duetos.
E que tem, agora, sua primeira versão em palcos brasileiros,
sob comando concepcional de Victor Garcia Peralta, para os atores/cantores
Claudio Lins e Soraya Ravenle e com a trilha sonora original (Martin Rodriguez)
transmutada em set eletrônico pelo músico/tecladista (Azullllll).
Através do contraponto dos personagens Cláudio (Cláudio Lins)
e Sandra (Soraya Ravenle), na representação
atoral de um pai e de uma mãe, de casais
diferentes, respectivamente com um menino (Francisco) e uma menina (Luiza), filhos
e alunos da mesma escola, referenciados em imaginária interlocução presencial.
Em espaço cenográfico (Fernando Rubio) de assumido
despojamento sob o sustento plástico minimalista de um único elemento
escultórico (um mecânico grampo-sargento) e de indumentária (Claudio Tovar) de
executivo coloquialismo, sob recatados traços luminares (Maneco Quinderé) de claridades
e sombras.
Funcionando, em sua progressão dramático e composicional, na
proximidade de um contexto de ópera de câmara de estilização barroquista/clássica,
alterativa nas suas oito canções e na textualidade de nuance recitativa, ao interagir dois personagens e um
conciso staff musical.
Com o diretor Victor Garcia Peralta, outra vez dando continuidade a um ideário
mor de revelação da nova dramaturgia hermana,
agora viabilizada através de dois atores “monstros”
do teatro musical brasileiro - Cláudio Lins e Soraya Ravenle. Em magnetizadas inflexões vocais-gestuais de
exteriorização psicofísica dos demônios internos, no papel de pais tiranos disfarçados
em conciliadores do convívio traumático com
filhos terríveis.
Sem deixar de constatar que Monstros, com sua encenação direta e seca, não deixa de ser um espetáculo difícil e
menos palatável aos apreciadores do gênero, na sua sutil utilização do lúdico e de assumido contraponto crítico aos
elementos estéticos do musical tradicional.
Capaz mesmo de incomodar parte do público padrão ao se abstrair do glamour cenográfico do grande musical, incluída uma trilha sem qualquer facilidade memorável e apreensiva acessibilidade de seus instantaneos acordes melódicos.
Capaz mesmo de incomodar parte do público padrão ao se abstrair do glamour cenográfico do grande musical, incluída uma trilha sem qualquer facilidade memorável e apreensiva acessibilidade de seus instantaneos acordes melódicos.
Inquietando por sua abordagem temática, ao questionar a apatia conduzindo à reflexão, dificulta, enfim, o embarque imediato daquele espectador acomodado que vai ao teatro apenas para fugir de uma realidade que pode ser a dele.
MONSTROS está em cartaz no Teatro PetroRio das Artes/Shopping
da Gávea, sexta e sábado, às 21h; domingo, às 20h. 100 minutos. Até 27 de
outubro.
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