FOTOS/DANIEL BARBOZA |
Iago é uma das mais emblemáticas tipificações imaginárias da mente humana para exemplificar e
denunciar, através de um personagem fictício, a que ponto chega a vilania daqueles que estão
próximos das benesses do poder político.
Embora W. Shakespeare,
para criar a figura de Iago no rol
dos papéis protagonistas de seu Otelo,
tenha se inspirado em traços veristas do conto de 1584 (Un
Capitano Moro) do italiano Giovanni Battista Giraldi Cinthio, a partir de um
episódio de traição e morte ocorrido, em 1508, na ambiência
governista veneziana.
Iago é um militar que representa o contraponto de seu superior hierárquico Otelo, na progressão dramática e narrativa da tragédia shakespeariana.
É ele que, fazendo parte dos circuitos oficiais do Mouro na República de
Veneza, ao ser preterido para o cargo de tenente em favor de Cassio, planeja uma hedionda vingança
sugestionando ser este amante de Desdêmona,
a virtuosa esposa de Otelo.
O caráter mais sinistro desta trama é a manipulação maquiavélica
da mentira sob a aparência da verdade por um hábil e sagaz conselheiro politico.
Que usa do disfarce psicofísico do afeto e da honestidade diante de
um íntegro governante para fazer valer, sem qualquer razão e remorso, a vingança
de um perdedor na sua recusa à derrota.
Na acurada adaptação de Geraldo Carneiro, o exímio tradutor
da obra do bardo inglês, este Iago, em versão camerista de despretensiosa mas funcional simplicidade para teatro de animação, faz com que este se torne o
substituto titular e condutor de um Otelo sintetizado em quatro personagens - Iago, Otelo, Cassio e Desdêmona.
Em convicta performance vocal/gestual com seguras modulações alterativas do ator Márcio Nascimento manipulando
quatro bonecos, na envolvência dos acordes de um cello solista (Marcio
Mallard), sob incisiva e dúplice direção concepcional (Márcio Nascimento e Miwa
Yanagizawa).
Onde o alcance de seu ideário estético minimalista é perceptível no substrato discricionário dos
elementos tecno-artísticos. Com suscinta
e básica materialidade cênica (Bruno
Dante e Carlos Alberto Nunes) da indumentária black do ator às sóbrias echarpes dos bonecos, com design de Tiago
Ribeiro.
Sob efeitos luminares (Renato Machado) com prevalência de sombras
entre nuances tonais, extensíveis à trilha sonora autoral (Rodrigo de Marsillac) em andamentos mais graves, de assumida expressão dos soturnos arroubos intencionais
do maléfico Iago.
Numa encenação que prima por seu rigorismo focal para conceder ao personagem titular em seus
divisionismos, a veemência política e o dimensionamento psicológico que ele tem, com mesma pulsão performática-diretorial e comum autoridade cênica (Márcio
Nascimento e Miwa Yanagizawa). E no transcendente conceitual de que no palco
da vida não passamos de marionetes manipuladas pelo destino, tal como Iago faz com seus comparsas teatrais.
Se para alguns analistas shakespearianos e por uma definição psíquica Iago configure o retrato
preciso de um psicopata, nele se torna
presencial o especular reflexo do egoísmo comportamental do oportunista, sempre alerta à sua hora e vez de exercer o vicioso ofício do domínio energizado pelo mal,
atropelando tudo e todos.
O que transcende o significado de sua releitura inclusive ao medíocre e execrável comportamental
de nosso meio político e de nossas governanças, com prevalente olhar voltado às causas próprias.
O que levou o irônico referencial desta verdade na apresentação
textual de Geraldo Carneiro a sofrer incabível restrição censória, em recente processo coercitivo tornado cada vez mais habitual à cultura
em nosso país.
Num constatável paradoxo de um desagradável incidente e de um
bravo e oportuno enfrentamento de
progressivo retrocesso cultural. Mas que, por parte da consciência teatral, alcança um desagravo, enfim, no recado a ser dado, custe sempre o que custar, doa a quem deva doer...
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