FOTOS/ CARLOS COSTA |
Ao publicar o seu romance epistolar (The Color Purple) em 1982, Alice
Walker não só fazia um tributo às
lutas da mulher negra no enfrentamento do racismo e todas as formas de violência
social e doméstica, capazes de levar ao estupro, ao incesto, e aos
descomedimentos machistas contra mães e filhas. Mas também, através de um retrato de opressão, denunciando
num grito de rebeldia, a ancestralidade
e a resistência do domínio patriarcal.
O que lhe possibilitou o Prêmio Pulitzer de Ficção, um dos primeiros a ser concedido a uma escritora de pele
não branca. Levando a uma sequencial e celebrada versão cinematográfica (Steven Spielberg), 1985, seguida do musical
da Broadway com mesma titularidade em 2005 e à segunda adaptação dez anos
depois.
Em mais uma cuidadosa tradução e adaptação do libreto por Artur
Xexéo, o musical chega pela primeira vez aos nossos palcos sob um conceitual estético
de super produção, com 17 atores e apurado staff tecno-artístico sob potencializado comando concepcional
de Tadeu Aguiar. E mais fidedigna à montagem original de 2005 que a da sua recriação,
em 2015 .
A narrativa, tanto nas telas como nos palcos, em linhas gerais fala das mulheres afro-americanas na
zona rural da Geórgia no alvorecer do século XX, a partir de cartas escritas pela
protagonista Celie (Letícia Soares) e
direcionadas ora a Deus, ora à sua irmã e missionária na África, Nettie (Ester Freitas).
Provando, antes de tudo, que ainda havia uma escravidão velada, nas dilaceradas restrições de uma sitiada sobrevida da negritude feminina. Onde Celie perde sua auto-estima na insensatez do padastro que a engravida duas vezes, sem direito à guarda dos bebês, até ser entregue, em condições aviltantes, para um
casamento escravocrata com o brutamonte Mister
(Sérgio Menezes).
E só redescobrindo, entre insultos e sacrificios, como se afirmar como ser humano e como mulher,
exemplificando-se na insubmissa Sofia
(Lilian Valeska) e na irreverência da cantora de clubes noturnos, Shug Avery (Flavia Santana). Com
intervenção de outros personagens vividos, entre outros, pela competência de Jorge
Maia ou por um energizado Alan Rocha.
Onde o qualificante resultado como realização de teatro musical, deve-se
a um seguro e investigativo empenho diretorial que se estende a uma artesanal exploração
das diversas linhas vocais, de perceptivel prevalência nos naipes femininos. Nas
carismáticas performances tanto de Leticia Soares ao exuberante presencial cênico, como atriz /
cantora, de Lilian Valeska.
Sem esquecer o absoluto destaque de afinado conjunto de oito instrumentistas, sob
a eficaz égide musical de Tony Lucchesi, irradiando uma trilha black music, sustentando-se do R&B ao spiritual. Aditivada, ainda, nos
harmônicos grupos corais e no brilho da cumplicidade coreográfica de Sueli Guerra.
Com assumido acerto na opção cenográfica (Natália Lana) de
sugestionamento realista, contrastando com a exclusiva prevalência de cadeiras
no décor da Broadway, possibilitando transmutações ambientais dos dois andares
e escadas laterais de uma casa móvel, com referencial de um estado sulista americano.
Completando-se nas marcações luminares (Rogério Wiltgen), no entremeio
de cores boreais sob sombras black e
tonalidades purpúreas, ressaltando ainda a tipicidade coloquialista dos
figurinos (Ney Madeira e Dani Vidal).
De um lado, a representividade de uma saga da raça negra e do
feminino, no revigorante paradigma musical dos embates de uma comunidade em estado
de permanente alerta e de irmandade contra a opressão.
De outro, a requintada realização de A Cor Púrpura, outra vez autentificando o alcance estético e a credibilidade do musical à brasileira. E, antes de tudo, sabendo em momento de retrocesso político/cultural, perseverar com radiantes luzes no
combate a esta abominável onda obscurantista.
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