FOTOS/JULIA RÓNAI |
Emblemática composição musical do século XX, por seu apelo
popular e sua envolvência que se estendeu a outras linguagens artísticas e às
comunicações midiáticas, a cantata Carmina Burana, de Carl Orff , também sofreu o assédio
da cúpula nazista, desde a sua estreia em 1937.
Não tanto por seu libreto, a partir de profanos versos anônimos
dos séculos XII e XIII, de liberada
evocação dos prazeres sensoriais e carnais, o que incomodava os teóricos do
Reich no seu “ideal purista”. Mas, especialmente, por sua pulsão rítmica
embriagante , capaz de configurar-se em precioso auxiliar na mobilização política
das massas.
No seu incursionar tematizado pelos bons e maus fluidos do destino na condição humana, mistificada entre
o prólogo e o epílogo, pelo metafórico coral da “Fortuna Imperatrix Mundi”.
E ,não ao acaso, exercendo reiterativo domínio catártico em sua simbiose com
trilhas cinematográficas, edições televisivas, jogos virtuais, shows pop/rock/heavy metal.
Assim, no árido compasso da presente crise , teve uma carga de simbólico estímulo a iniciativa da direção artística (André
Heller-Lopes), através de um concerto cênico - Carmina
Burana, unindo os corpos estáveis do Theatro
Municipal do Rio.
Num espetáculo de impressionante bravura e entrega, emprestando
dignidade a uma postura de perseverança e empenho do Ballet, do Coro e da OSTM pela
necessária continuidade de sua missão artístico/ social .
Deixando o público em clima de adesão e cumplicidade pelo que
ouviu e viu. Ondeando, como marca criativa maior, na expressividade emotiva e na qualidade técnica sob o
signo de uma simplicidade eficaz.
O brilhantismo com que se apresentou a OSTM no sequencial temático da obra (entre a natureza, a taberna e
o amor), mostrou um apurado senso de energia e sensibilidade nos naipes
prevalentes de percussão e sopros , sob o artesanal comando de Tobias Volkmann.
Além da musicalidade orgânica e da teatralidade presencial
numa indumentária black , em ornamentais nuances ,entre polifonia e ostinatos, do convicto Coro dirigido por
Jésus Figueiredo.
Sintonizando-se, ainda, com a difícil variação tonal, do falsete à extensão
vocal, nos solos de barítono(Homero Homem) Ego Sum
Abbas/ Dies nox et Omnia - nas exigências
quase coloraturais da soprano(Michele Menezes) em Dulcissime e nos desafios ariosos para tessitura de contratenor ( por Jacques Rocha, tenor).
E foi nesta
complexidade auditiva de sonoridades, unindo
tradição e modernidade em acordes musicais, entre cantos e linguajares
ancestrais, inspiradores de extenso lastro de versões cênicas e coreográficas,
que se consolidou a performance do Ballet do TM para uma diferencial Carmina Burana.
Muitas vezes
concessivas ao fácil mas surpreendente em concepções , entre outras, de M.
Wigman(1943), J. Butler(1959),Alvin Ailey(1973),desta vez, o conceitual de sua coreografia(Rodrigo
Negri) favoreceu o clima de representatividade pelo resgate salvador de um elenco
coletivo ( os corpos estáveis do TM) num brado de socorro.
Em concisa mas inteligente movimentação cênica, os bailarinos
fazem seu percurso entre os coristas ( todos no palco, exceto o coro infantil),
num referencial postural inicializado pelos Balés Russos de Diaghilev.
Em episódicas entradas, com magnetismo, nos solos, duos e grupos, deixando para o
clímax final, na cena da Corte de Amores, a participação integralizada e mais prolongada dos solistas e do corpo de
baile.
Explorando , com intensa delicadeza e coesão , o neoclassicismo
assumido, ora nas passagens mimeticamente teatralizadas em figurinos de época, ora na
contemporaneidade discricionária de malhas e tules, em gestual de simplificação
irradiante.
Sem grandes audácias inventivas, mas reafirmando sempre o luminoso rompante, entre tantos reveses atuais, de um
bem dosado amadurecimento dos seus intérpretes. Com perceptível visibilidade nas atuações
irrepreensíveis, em técnica e emoção, da dupla Cláudia Mota e Cícero Gomes.
Na sincera transmutação do desalento destes artistas em viral
resistência,fazendo disto o grande mote técnico/artístico desta Carmina Burana de dimensionamento
psicológico mitificado em instante de corajoso protesto, num grito de guerra - diante da roda da fortuna, aqui estamos, aqui queremos ficar...
Wagner Corrêa de Araújo
CARMINA BURANA está em cartaz no Theatro Municipal/RJ, quinta, às 17h; sábado e domingo, às 17h; terça, às 20h. 60 minutos. Até 20 de Junho.
NOVA TEMPORADA: No Theatro Municipal, sexta às 20h; sábado, às 16h; domingo,às 17h. Preços populares.
NOVA TEMPORADA: No Theatro Municipal, sexta às 20h; sábado, às 16h; domingo,às 17h. Preços populares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário