Na temporada de estreia da peça na Londres de 1960, Harold Pinter afirmou “No que me diz respeito, The
Caretaker é engraçada apenas até certo ponto. Além disso, deixa de ser engraçada
e foi por isto que a escrevi”.
Nesta sua atual versão, O
Inoportuno, como substitutivo nominal à tradução brasileira de O Zelador, reúne a direção de Ary Coslov
a um elenco integrado por Daniel Dantas (Davies),
no papel titular, mais André Junqueira (Aston)
e Well Aguiar (Mick).
Constituindo - se como o primeiro experimento de teatro do absurdo capaz de chamar
a devida atenção para a obra do inglês Harold
Pinter, depois do fracasso, de público e de crítica, de sua anterior incursão com A Festa de Aniversário, de 1958.
Visceral análise da incomunicabilidade humana e sobre o misterioso
caminho das motivações existenciais de
cada um de nós, sua abrangência temática tem várias derivações tal como um
diagrama teatral, entre a investigação psicológica, a exegese filosófica e o
dimensionamento politico/social.
Onde sua progressão dramática se desenvolve entre um jogo
contraditório de situações e de palavras cruzadas extrapolando a cínica conexão
de dois irmãos em torno de um inexplicável ato de bondade por um morador de rua,
convidado a se abrigar com eles, numa postura comportamental de absoluto no sense.
Que poderia ser entendida tanto como um ambíguo duelo de domínio e de submissão como de auto interesse
em preencher soturnas carências na companhia
de um próximo. Num discurso linguístico, entre dialetações e solilóquios, silêncios e pausas, interrompido por inesperadas revelações e súbitas situações que não
levam a nada.
Num cru realismo cênico (Marcos Flaksman) remetendo a uma
espécie de quarto / depósito de quinquilharias, de um inútil fogão a uma lâmpada
queimada sob um teto de goteiras, enfim, de poeira e lixo circundando duas
camas.
Ressaltado por efeitos luminares (Paulo Cesar Medeiros)
vazados entre sombrias marcações, como a das laterais do palco sugestionando a saída
ou entrada do próximo personagem. Sob recatada indumentária (Kika Lopes) de tons
ocres dando uma nuance sépia entre os personagens e a paisagem cênica.
Na convicta psicofisicalidade assumida por Daniel Dantas, em
interpretação dosada e direta de seu enigmático personagem, ele sabe equilibrar
as sutilezas do excluído Daves frente à episódica hospedagem, entre o saber fingir humildade ou
impor suas vontades, como a exigência de um sapato novo.
Mas a espontaneidade de sua performance também encontra
enérgicas sintonizações de técnica e
talento nos outros dois atores, na integralização coesiva e empática de suas
representações.
Tanto no desempenho, aparentemente mais afetivo e acolhedor
de Aston (André Junqueira), como nos impulsos mais agressivos e questionadores de
Mick (Well Aguiar). Potencializados na cena confessional de Aston sobre seu passado
psiquiátrico, como nas reiterações da quimérica reforma decorativa de Mick.
Numa encenação de substrato naturalista pelo contraponto crítico
de uma linguagem dramatúrgica de latente inconsequência e desalinhado
sequencial, as perguntas sem resposta são assumidas numa artesanal
decodificação estética.
Que, imprimida pelo
contudente comando diretorial de Ary Coslov, assegura a este precioso
inventário pinteriano a marca do assombro
e da intimidação capazes, sempre, de colocar o espectador em necessário e provocador
estado de mudança.
Wagner Corrêa de Araújo
O INOPORTUNO está em cartaz no Teatro do Quatro, sexta e
sábado, às 21h; domingo, às 20h. 90 minutos. Até 23 de dezembro.
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