Era quase impossível acreditar em crise diante do encantamento
provocado por “Bibi, Uma Vida em Musical”, com roteiro original a quatro
mãos (Artur Xexéu/Luanna Guimarães), em
carismática partitura biográfico/teatral sobre uma grande dama do palco brasileiro. Numa montagem sem restrições, alcançada pelo ideário estético
direcional de Tadeu Aguiar e no retorno cúmplice da plateia. Além, é claro, de
um elenco de craques, protagonizado pelo brilho de Amanda Acosta, sob prevalente
e fina sintonia musical/performática.
Mas outra surpresa aguardava sua “hora e vez", roseana mas por obra e graça das invencionices de Bia
Lessa, neste “Grande Sertão : Veredas”, sensorial ou metafisico sob vestes de brava jagunçagem. Privilegiando
envolvente acionamento dramático pelo ritmo coletivo de enérgica trupe de interpretes, em ambiência visual de provocação
e encantamento.
Além da concepção direcional, cenográfica, indumentária de Gabriel Vilela para O Boca de Ouro, na retomada
de um dos míticos personagens do inventário dramatúrgico de Nélson Rodrigues. Num
mix da permissividade de seu psicologismo autoral com um prevalente sotaque de delírio teatral em alegorias carnavalescas, entre um jornal
sensacionalista e uma gafieira. Conduzida em sua integralidade
conceitual – estético/dramatúrgica - na habitual autoridade cênica de seu comando mor.
A dinâmica direção de Luiz Villaça no clássico teatral do século XX, A Visita da Velha Senhora, do suíço Friedrich Dürrenmatt, alcança o clima propício de risível e corrosiva absurdidade, priorizando um tratamento mais farsesco da notável fluência textual do dramaturgo, em irrepreensível representação titular de Denise Fraga.
A VISITA DA VELHA SENHORA/ Foto by Cacá Bernardes |
Que não inviabilizou o discurso shakespeariano ao adotar uma
trilha com o repertório das composiçoes de Marisa Monte e seus
parceiros, mantido no seu contexto original, tanto nas harmonias como no suporte
lírico das canções, em alterativa identidade com o desenvolvimento
narrativo - teatral.
A autora e diretora Ana Rosa Tezza titula como Nuon a montagem idealizada para a Cia
teatral curitibana Ave Lola, inspirando-se na trajetória e nos
relatos de uma sobrevivente do trágico expurgo do ex-reino do Camboja - a ativista
Phaly Nuon. Uma temática ainda de
extrema atualidade no seu referencial de contestação crítico/política às guerras ideológicas da contemporaneidade.
Sem uma narrativa linear, a peça é ritualizada como
um cerimonial sagrado de culto aos antepassados reunindo poesia e caos, em
sequenciais estados de pânico
psicofísico e paralelos deslumbramentos estéticos, sob um inusitado domínio conceptivo, interpretativo e diretorial.
No irônico contraponto de “desordenamentos” da progressão
determinista de “A Ordem Natural das
Coisas” há nuances filosóficas existencialistas em passagens monologais de
enfoque reflexivo, com sutil substrato subjetivista nos confrontos
comportamentais e no acionamento expositivo dos três personagens.
Onde a funcional textualidade de Leonardo Netto, vai do coloquialismo dialetal e sotaque humorado
da ação cênica às tessituras discursivas dos solilóquios, em interregnos
filosóficos/estetizantes. Qualificação autoral que se estende à apuração
potencializada do seu direcionamento aprofundando, sobremaneira, a força de um
valoroso exemplar da nova dramaturgia carioca.
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