SOBRE RATOS E HOMENS: SONHO E AMARGURA


FOTOS/LUCIANO ALVES


Há os que vão e os que voltam, os que resistem e os que são derrotados, num cenário de desesperança e desolação, desemprego e miséria dos anos 30, na Grande Depressão americana.

Por aqui transitam os sonhadores   mas  amargurados personagens de John Steinbeck, exemplarmente caracterizados nos seus romances As Vinhas da Ira e Ratos e Homens.

E foi a partir deste último que o escritor adaptou, com titulação similar, para formato dramatúrgico em 1937, com uma versão contemporânea ( 1992) para as telas por Gary Sinise, sem o potencial que tornou clássicos do cinema, tanto o Vinhas da Ira(John Ford,1940)  como Vidas Amargas ( East of Eden, por Elia Kazan, 1955).

Depois da memorável montagem ( 1956) de Augusto Boal no Teatro de Arena, Sobre Ratos e Homens retorna aos palcos  em referencial versão paulista(2016) sob o comando de Kiko Marques , por si só entronizada por significativas premiações e pelo aplauso unânime  da crítica e do público.

George e Lennie , os humilhados  mas esperançosos amigos/ andarilhos  em busca de uma ocupação qualquer em tempos de crise, chegam a uma hospedaria rural onde se defrontam com outros sufocados obreiros, além de um capataz e o seu filho, casado com a única personagem feminina da peça.

Enquanto o grandalhão mas ingênuo Lennie alcança um comovido desempenho de Ando Camargo, nos seus acessos fantasiosos a um sítio povoado de cães e coelhos, este inalcançável desejo de posse é incitado pelo companheiro,  de devaneio e desditas, George, personificado energicamente por Ricardo Monastero.

E são os contrastes de fisicalidade e verbalização dos dois personagens que tornam prevalente este trágico flagrante da condição humana. Entre a frágil proteção do consolo de uma amizade e o desnudamento do fracasso, da solidão , da rebeldia e do ódio.

Amplificada no dimensionamento psicológico dos outros personagens : o isolamento  racial em Crooks(Tom Nunes),os melancólicos achaques da velhice de Candy(Roberto Borenstein),o frio destemor de Carlson (Pedro Paulo Eva), os desmandos  do capataz  Slim(Thiago Freitas),a incompreensão de Curley(Cássio Inácio Bignardi) diante da opressiva condição e os anseios de sua mulher  Mae (Natallia Rodrigues).

Na paisagem inóspita e de um céu sem horizontes, sugestionada cenicamente (Marcio Vinicius) na aridez de exíguos alojamentos, mísera indumentária ( Fábio Namatame), melancólicas sonoridades(Martin Eikmeier) e sombrios contornos luminares(Guilherme Bonfanti).

Cabendo ao firme e sensorial cuidado diretorial de Kiko Marques sustentar o equilíbrio estético/ emotivo entre o verismo impiedoso de vidas abissais, onde um gesto de ternura pode ser assassino, com uma poética imersão no imaginário idealístico da esperança e da crença em dias melhores, ecoando, assim, uma solução reflexiva do próprio Steinbeck:

“A única coisa que a gente deve cuidar é de dar sempre um passo à frente, um passo , por menor que seja”.


                           Wagner Corrêa de Araújo





SOBRE RATOS E HOMENS está em cartaz no Teatro I, do CCBB,Centro/RJ, de quinta a domingo, às 19h.100 minutos. Até 30 de abril.

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