FOTOS/ALIS MÍDIA |
“Era de vidro o seu olho esquerdo. De vidro azul-claro e
parecia envernizado por uma eterna noite. Meu avô via a vida pela metade, eu
cismava, sem fazer meias perguntas...”
Prólogo do livro do escritor mineiro Bartolomeu Campos de
Queirós que, paralelamente às reflexões confessionais do ator Charles Asevedo, inspirou o primeiro monólogo da
dramaturga Renata Mizrahi – O Olho de
Vidro . Extensivo , em contínua intensidade, na artesanal direção conjunta de Flávia Pucci, Guilherme
Leme e Vera Holtz.
E que na inventiva junção memorialista do escritor e do ator
alcança uma destas significativas
incursões autorais, na sua transmigração livro>palco. Sem nunca deixar
de ser um desafio no rompimento conceitual entre duas linguagens
artísticas e de consecução , em sua plenitude, apenas no seu resultado cênico.
Com um incentivo maior a partir de seu proposital direcionamento
como uma obra aberta a ser completada pelo imaginário de cada leitor, implícito à própria
proposta de textualidade da obra original de 2004 ( O Olho de Vidro de Meu Avô).
Afirmando convictos o personalismo de suas memórias da infância
, há uma sincera dialetação na similaridade das lembranças entre o real e o
sonhado, do olho corpóreo ao olho mecânico,
do autor/narrador e do personagem/ator.
Na transmutação das próprias palavras do escritor em Bom
Destino - “com o olho direito meu avô via o sol, a luz, o futuro, o meio dia”, Charles
Asevedo visualiza as alegrias do
convívio familiar em Belford Roxo.
Enquanto com o outro olho, o de vidro, “o esquerdo ele via a
lua, o escuro, o passado, a meia noite”, o ator questiona a incompreensão
paterna pelo diferencial afirmativo de suas primeiras descobertas sexuais.
Na simplicidade funcional dos elementos cenográficos(Aurora
dos Campos) – uma lousa, uma mesa e uma cadeira (com seu dúplice referencial ao
universo escolar e da leitura, tanto do
escritor como do ator), integralizado sob sóbrias nuances desde o figurino
cotidiano ao desenho de luz( Tomás Ribas) e das incidências sonoras(Marcello H).
Onde tanto a carga de
verdade interior do inventário dramático(Renata Mizrahi),a compreensão do
personagem e o domínio do espetáculo( no seguro tríptico Holtz /Leme/Pucci),ampliam a espontânea emotividade na entrega verista ao dimensionamento psicológico e de
digno alterego( Charles Asevedo) da performance.
E como não ecoar na cumplicidade da plateia a força reflexiva
de um livro/peça capaz de tais palavras poéticas:
“O que seu olho de vidro não via, ele fantasiava. E inventava
bonito, pois eram da cor do mar os seus olhos. E todo mar é belo por ser grande
demais. Tudo cabe dentro de sua imensidão: viagens, sonhos , partidas, chegadas, mergulhos e afogamentos”...
Wagner Corrêa de Araújo
O OLHO DE VIDRO está em cartaz no Centro Cultural Correios/Centro/RJ, de quinta a domingo, às 19h. 60 minutos. Até 30 de abril.
Nenhum comentário:
Postar um comentário