Boca do Mundo/Marcio Cunha Dança Contemporânea. Márcio Cunha/Direção Concepcional. Junho/2024. Fotos/Carol Pires. |
Boca do Mundo é a mais recente incursão do artista plástico, performer
atoral e bailarino Márcio Cunha. E que também tem, agora, sua diferencial trajetória
artística e processo criador decifrados no envolvente doc filme de Guto Neto
titulado Impermanência.
Desde o incisivo teor inventivo de seu tríptico inspirado na
obra de Frida Kahlo, Jean-Michel Basquiat e Arthur Bispo do
Rosário, a Márcio Cunha Dança Contemporânea vem imprimindo uma original conexão
estética em suas criações estabelecendo liames entre a coreografia, a
performance teatral e as instalações plásticas.
Continuadas em potenciais concepções conceituais como foi o
caso de Barro, sob a manipulação em
cena deste material geológico - o que me fez lembrar a artista e ceramista
Celeida Tostes em uma de suas viscerais propostas ao vivo – “Cobri meu corpo de barro e fui / Entrei no
bojo do escuro/ventre da terra”.
Ambos despojando-se, através desta ação de um teatro-dança no formato de uma instalação, de sua natural fisicalidade direcionando-se a uma transmutação metafórica em
formas escultóricas primitivas, incorporando o ser e o não ser ancestral, céu e
terra, com um olhar no futuro.
Enquanto em Basquiat, impulsionando um ser revolto com acordes hip hop e jazzísticos entremeados por black spirituals, ele sugestiona um espaço mágico preenchido por referências plásticas, integrando em sua psicofisicalidade “um jovem artista negro num mundo de arte branco”.
E no caso de Rosário reinventando
num sotaque com traços subliminares de Artaud
a Pina Bausch, outro artista - este
brasileiro - sob o signo da marginalidade, na sua corporificação de um refém da
alienação, completada na participação inclusiva – física e vocal - de um dos ex-internos
dos tempos da Colônia Juliano Moreira.
Mostrando um dos caracteres mais marcantes do ideário de luta polideológica de Marcio Cunha que é seu sensorial apelo por uma inserção composicional entre
o corpo e a natureza, em época de tanto descaso pela preservação de nossas
reservas biológicas e florestais, surge Sacro.
Onde o múltiplo artista, outra vez próximo de uma proposta de dança-teatro, faz apenas a direção concepcional, coreográfica e cenográfica, no simbolismo do risco de uma catástrofe ambiental através de galhos secos. E na performance trazendo nomes referenciais da dança brasileira de hoje (Denise Stutz, Frederico Paredes e Giselda Fernandes).
Para, depois do tributo ao seu pai Mestre de Capoeira (de
quem aprendeu este ofício) em Pipoca,
apresentar seu mais recente espetáculo Boca do Mundo. Aqui voltando à caixa
cênica, pela ambientação a partir de materiais elucidativos da tradição popular
ritualística do universo dos terreiros, das rodas de capoeira e do culto a
personagens do Candomblé, como Exu e os Orixás.
E por sua energizada atuação, ao lado de uma também vigorosa
performer/bailarina Carla Stank, ambos entregues a um convicto jogo cênico vivo
de espontâneo gestualismo, por vezes caracterizado por injunções poéticas, ou
então por uma dúplice imersão brincante na autenticidade popular da capoeiragem.
Ampliado na mascaração com referenciais figurativos da tradição
dos ritos originários de uma aculturação de crenças afro-brasileiras, sempre
dimensionadas pela adequação sonora de ritmos percussivos típicos. E pela figuração de um expressionismo entre o
burlesco, o histrionismo gestual e o terrir de bocas escancaradas e olhares
esbugalhados.
Sem nunca quebrar a pulsão imaginária de um artesanal manipulador
de variadas linguagens inventivas que, entre o lúdico e o reflexivo evocam o
desafio da Impermanência (no tão a propósito
nome do esclarecedor e fundamental filme de Guto Neto)
da condição humana, no seu eterno conflito entre as alegrias e os desafetos
da vida e sua finitude.
Como se a visão fílmica da inspiradora trajetória da Márcio Cunha Dança Contemporânea fizesse ecoar, também, em suas manifestações estéticas da corporeidade, o emblemático grito de Frida Kahlo : “Meu corpo carrega em si todas as dores do mundo”...
Wagner Corrêa de Araújo
Boca do Mundo/Marcio Cunha Dança Contemporanea faz curta
temporada no Teatro da UFF/Niterói, dias 17 e 18, às 19h; 19/07, sexta feira, às
20h.
Impermanência, filme de Guto Neto, será apresentado na Mostra Cavideo 27 Anos, dia 22, segunda feira, às 21h, no Estação Net/Botafogo.
6 comentários:
Que maravilha,querido primo e grande amigo, Mestre Pipoca!
Márcio Cunha é um presente para a dança e para nossos olhos. Cada trabalho seu é uma grata surpresa e um mergulho profundo nas entranhas das inquietudes do ser humano.
Muito bem expresso . Isso . E algo mais .
Maravilhosa análise e crítica sobre Márcio Cunha e sua obra!!!
Márcio se move por todos os lados, cima, baixo, direita, esquerda, de dentro pra fora e de fora pra dentro. Traz imagens do seu inconsciente e do inconsciente coletivo para a concretude através de todas as expressões artísticas que ele caminha e ele sabe como fazer isso magistralmente. Acredito que, por esse motivo, seu trabalho, seus processos dialogam com todos, atravessam nossas emoções e corpos. Belíssimo trabalho!!!!
Emocionante ler tão belo comentário sobre o trabalho do meu querido professor!! Tenho o privilégio de acompanhar de perto as suas criações há 3 anos e me construir multiplamenente em suas aulas e convívio.
Sua entrega é dedicação,nos deixam encantados.A Arte e a Cultura agradece esse belíssimo profissional que vc se tornou e a mãe natureza se encanta com essa pessoa incrível que traz poesia em seu olhar.
Não poderia esperar outra coisa a não ser esse filho incrível ,que Deus me deu..
OBRIGADA..
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