Zaquim, o Musical. Criação coletiva, com direção de Duda Maia. Teatro Prudential. Outubro/2021. Fotos/Renato Mangolin. |
Após assistir ao musical infanto-juvenil Zaquim, além da constatação de mais uma das
habituais surpresas cênicas a partir da inquieta mente inventiva de Duda Maia, não
há como deixar de recorrer à citação da sensorial lição poética de Cecília Meireles em
Ou Isto Ou Aquilo - “Quem sobe nos ares não fica no chão/Quem fica no chão não sobe nos ares”...
Há, ali, uma magia poética
referencial já no prólogo da peça, ao mergulhar no confronto verbal de um
lúdico jogo pleno de aliterações vocabulares, sustentado pela corporeidade
gestual e pelas sonoridades musicais, na iminência de um aventureiro salto no espaço. Acreditando
que para as crianças, espectadoras ou não, "ou isto ou aquilo", nada parece impossível pois, segundo Drummond,
elas são poetas por natureza.
E, desta vez, através de Duda Maia impulsionando seu estímulo direcional à primeira criação coletiva da Cia Trupe Zaquim em espetáculo titulado como Zaquim, sob o ideário de “trabalhar poesia, educação, música, arte, dramaturgia, delicadeza e, principalmente, deferência às crianças”. Com uma bela produção da Aventura, pensada através de sua diretora artística Aniela Jordan, e viabilizada por Gabriel Pardal, Marina Palha e Felipe Habib.
Em dinâmica escritura dramatúrgica (Gabriel Pardal) no compasso de sotaque diferencial, apostando num roteiro não linear, sem qualquer preocupação de sequencialidade narrativa, transmutada a temática, aqui, num round de desafio corporal/linguístico com rimas verbais/gestuais ritmadas, sob propositais repetições de sons.
Zaquim, o Musical. Direção Duda Maia. Teatro Prudential, outubro 2021. Fotos/Renato Mangolin. |
Para provocar energizado dimensionamento da performance
na cadência de um juvenil e revelador sexteto de atores/músicos (Bruno Quixote, Jef
Lyrio, Marina Palha, Quel, Raphael Pippa, Vitor Novello) com prevalência negra, pelo atento olhar da criança, sem quaisquer preconceitos, no entorno da nova realidade social e das
composições dos núcleos familiares.
Onde outra das funcionais e criativas arquiteturas
cenográficas de Mina Quental é estruturada, agora, numa espécie de caixa mágica de
brinquedo em dois planos, à base de um tablado superior com alçapões e portas
frontais se abrindo ou fechando no descortino interativo de uma trupe de
personagens sem nominação.
Potencializando esta ambiência cênica, os efeitos luminares (Renato
Machado) matizam tons aquarelados numa plasticidade atmosférica pictural, estendendo
seu reflexo especular sobre a sobriedade e a delicadeza artesanal de uma
indumentária (Karen Brusttolim) de assumida predominância branca.
O score musical em andamento autoral/coletivo, com lavra dúplice no comando de Felipe Habib/Beto
Lemos, em sua feliz brasilidade conecta vozes, ora recitativas ora
moduladas pela cantoria, a instrumentos convencionais e típicos, indo da guitarra, baixo, acordeão, bandolim, pandeiro e tamborim, a ukulelê, djembê, e caxixi. Brincando
todos, entre palavras e músicas, com o corpo e os instrumentos como se brinca
com bola, boneca, carrinho e pião.
Numa envolvência sem interregno desde as primeiras cenas, pais e
filhos, crianças e adultos, conduzidos por uma incrível performance à
provocação de seus sentidos visuais e auditivos, no ímpar compartilhamento da
emoção coletiva do saber conviver com as oposições.
Sem inicio, meio e fim, no entremeio de ritmos e rimas, conduzidos pela varinha de condão da fada Duda Maia, no leva e traz das idas e vindas, das partidas e voltas de uma incrível trupe ensinando a aceitar as diferenças, não importando a cor da pele e a diversidade da identidade sexual, porque todos, afinal, merecem respeito.
Wagner Corrêa de Araújo
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