Cecília Kerche em Esmeralda. Coreografia Jules Perrot. Foto/Reginaldo Azevedo. |
Em bela iniciativa o Theatro Municipal carioca resolve prestar um justo tributo a uma das mais exponenciais primeiras bailarinas do seu Corpo de Baile. Trata-se, nada mais nada menos, do que a estelar Cecília Kerche, lembrando, agora, sua despedida definitiva deste celebrado palco brasileiro.
Com uma longa e icônica trajetória ali, desde os anos 80, chegou um momento, exatamente em 2016,
em que esta decidiu se aposentar de suas funções, tanto no papel de primeira bailarina
como de sua participação, ao lado de Ana Botafogo na direção artística do Balé
do TMRJ. Ampliado este desejo pelo desafio de tempos difíceis, artística e
financeiramente, que abalaram a tradição e o prestigio, qualitativos imanentes
do Corpo de Baile do Teatro em suas quase nove décadas da fundação.
A louvável iniciativa de um tributo coube a Hélio Bejani, atual
diretor da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, além de regente interino do
Corpo de Baile. Sendo viabilizada, diante de um cenário pandêmico ainda de não
volta da temporada presencial, através
de uma live e de um e-book disponíveis nas plataformas
digitais, desde o último dia 06 de outubro, e titulado como Theatro Municipal Homenageia Cecilia Kerche - Uma Bailarina Made in Brasil.
Com acurada base investigativa do pesquisador e professor de
dança Paulo Melgaço, atuante nesta mesma instituição oficial de formação de
bailarinos. Autor de livros priorizando o universo coreográfico sob ambiência
carioca, entre estes o recente Corpos em Foco - Fragmentos da Dança Carioca, sobre o qual já postamos análise crítica aqui.
Cecilia Kerche numa de suas mais sensitivas performances como o Cisne Negro, de O Lago dos Cisnes. Foto/Arquivo C. Kerche |
O e-book é Ilustrado à base de um rico material iconográfico de foto-biografia, do livro Cecilia Kerche - Vida e Palco, lançado em 2010 por Vera Lafer, sob vasta pesquisa colaborativa de
Tenara Gabriela, Luiz Kerche e Marcelo Bravo, com texto guia de Felipe Santa
Cruz, em antológica reunião de registros da carreira da bailarina por alguns
dos mais renomados fotógrafos de dança, tanto do Brasil como do exterior.
Incluindo depoimentos de personalidades fundamentais na vida
artística de Cecilia Kerche, entre muitas outras, com destaque mais que
especial para as ex-diretoras do Balé do Municipal, como Tatiana Leskova e Dalal Achcar, além de
prestigiados coreógrafos e partners de fama internacional. Do porte de Nathalia Makarova, Maurice
Wainrot e Oscar Araiz, na primeira categoria, a uma infinidade de bailarinos/estrelas como Fernando Bujones, Igor Zelensky, José Manuel
Carreño, Carlos Acosta, sem esquecer diversos nomes fundamentais da dança em moldes
brasileiros.
Sendo que foi por intermédio de Dalal Achcar que ela se
aproximou de Natalia Makarova na indicação para uma filmagem documentária de La Bayadère. O que impulsionou de vez
uma bem sucedida trajetória na intepretação de diversos papéis por Cias e
palcos do mundo inteiro, desfilando representativamente um repertório dos
principais clássicos da história do balé.
Estreando em Giselle no TMRJ, em 1982, seguindo-se, ali, em performances absolutas por seu requinte
técnico e expressividade cênica, dos fraseados gestuais ao teor dramatúrgico,
no Quebra Nozes, La Bayadère, Don Quixote, Coppélia, A Bela Adormecida, Lago dos Cisnes, aos quais
se acrescentaram criações do século XX, de Romeu e Julieta a Eugene Onegin. Paralelas
a diversas atuações além fronteiras, como uma particularizada vivência como única
bailarina brasileira a protagonizar o balé Spartacus, em montagem do
Australian Ballet.
Tive o privilégio, no ofício de jornalista especializado em cultura e critico de artes
cênicas, de assistir e opinar sobre
todas estas estreias dos anos 80 em diante, sucessivamente seguindo os ascendentes
passos de Cecília Kerche. Desde a minha chegada à TVE/Rio vindo do Palácio das
Artes de BH, estendendo-se ainda a júris e participação critica/documental em
festivais como o de Joinville, onde a presença dela sempre foi inolvidável.
Priorizando a permanência no palco do Municipal, Cecilia só
esteve longe nos sete anos em que integrou o English National Ballet ou nas
infinitas turnês pelo mundo estendendo, assim, seu legado além das páginas da
história da dança no Brasil.
Que esta sua lição de vida pela arte, afinal, inspire as novas gerações, na maturidade de sua experiência estética, sustentada em permanente amor ao exercício interpretativo de bailarina, ao qual dedicou-se sempre com sensorial perfeccionismo : “Acredito no poder transformador que a arte provoca e minha
dança é parte disto pois quando estou no palco é minha alma que dança”...
Wagner Corrêa de Araújo
Cecilia Kerche em Don Quixote, com o Corpo de Baile do TMRJ. Foto/Robson Drummond. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário