Serge Lifar, 1951.Releitura de Suite en Blanc para o Ballet de l'Opéra, com Liane Daydé e Yvette Chauviré. Foto montagem/ Coleção S.Lifar. |
Neste último 27 de fevereiro, registro a passagem dos 89 anos da bailarina francesa Liane Daydé que exatamente há quase meio século (1972) apresentava-se em turnê brasileira, incluindo o Palácio das Artes(BH). Onde tivemos o privilégio de registrar o depoimento desta que foi uma das étoiles, anos 50/60, do Balé da Ópera de Paris, especialmente através de diversas coreografias que Serge Lifar dedicou a ela.
Seu nome me veio à lembrança, em data recente através do acervo
de programas de colecionadores norte-americanos e europeus que conheci por intermédio da página virtual Les Balletomanes. Com os nomes
de Liane Daydé e de Lifar aparecendo em espetáculos da Ópera
de Paris, várias vezes. Com feliz redescoberta também de registros de Tatiana
Leskova dos anos 30, inclusive uma adorável foto (1937) desta grande mestra, linda como sempre e em plena adolescência ao lado de seu partner e também primeiro namorado George
Skibine.
A primeira impressão, naquele final de ano de 72, era a de
que Liane Daydé ressaltava o seu tipo
mignon com os cabelos soltos e quase longos, marcando um transbordamento de
simpatia, charme e inteligência. Completada pela revelação carinhosa de que o
Brasil fora a fortuita causa da sua ascensão ao patamar de estrela absoluta. Numa
primeira temporada sua no Municipal paulista quando, em última instância, foi
convocada a fazer o papel substitutivo da solista impossibilitada devido a um
mal súbito.
Acontecimento seguido por vitoriosa performance protagonizando Giselle no Bolshoi: “Os russos sempre souberam como avaliar o
trabalho de um artista no palco e se ele
não possui a necessária aptidão, se lhe
falta a técnica e expressão, de nada lhe valerá ser indicado como um grande nome”.
Marcada em sua passagem pela Ópera de Paris, por personagens
com que se identificaria para sempre além de Giselle, Coppelia, Bela Adormecida
e Romeu e Julieta. Na estreia em Moscou, mereceu crítica entusiasta no Pravda: “Sua Giselle é tão juvenil, ingênua e infinitamente confiante que a cena
da loucura leva o público às lágrimas”.
SERGE LIFAR E LIANE DAYDÉ, na Ópera de Paris, início década de 50. |
“Adoro morrer em cena”, ela exemplifica assim suas parcerias como solista em criações do coreógrafo e bailarino Serge Lifar que, em anotação de um de seus livros, ressalta “a imperecível imagem deixada por Liane Daydé e Michel Renault dos Amantes de Verona”.
Segundo ela, foi Lifar
que “me formou tecnicamente, enquanto o
partner de Anna Pavlova – M.Alexandre Violinine – seria o responsável pelo
aprofundamento de minha expressão e personalidade artística. Na escola de dança
de Paris, em que estudei nos anos de
formação, havia uma exagerada preocupação com os exercícios das pernas,
enquanto os russos davam maior importância ao trabalho dos braços, à expressão
corporal e facial. E aí acreditei ter sido realmente Lifar minha maior
influência”.
Uma das mais envolventes recriações de Lifar para Liane foi Suite en Blanc que, retomada em 1951,
tornou-se a mais significativa obra do coreógrafo para a bailarina no seu
período na Ópera de Paris. Dali ela partiu, a convite do Marques de Cuevas,
para fazer a Bela Adormecida que se tornou uma performance de significado
emblemático pois antecedeu, em apenas três meses, a morte súbita do empresário
e diretor do Grand Ballet du Marquis de Cuevas.
Tornando-se logo depois, através de seu marido e empresário
Claude Giraud, a estrela de sua companhia Grand
Ballet Classique de France, dando
ênfase à dança clássica e a compositores franceses, do período clássico e
romântico a um olhar do contemporâneo sustentado em peculiar releitura
neoclássica, na linha prevalente adotada por Lifar
e Skibine.
Quando escrevi sobre o programa do Grand Ballet Classique
foi destacando a impressionante versatilidade da Swanilda por Liane Daydé, em Coppelia,
no entremeio de lágrimas e riso, amor e ódio, sempre com enérgica naturalidade,
provocando surpresa e alegria. Com um salto para a contemporaneidade de “Interferences” (poema coreográfico de
Gilbert Mayer), em envolvente jogo de tênis em formatação de dança pantomima
sob efeitos sonoros percussivos.
Sobre a Julieta, na versão de Lifar, uma trajetória provocadora, prioriza a essência do sotaque dramático
quase de dança teatro, tendo Daydé ao lado de Juan
Guiliano remetendo a alguns de seus mais transcendentes partners como Michel Renault e Rudolf Nureyev. Julieta não pode dançar sozinha e seu partner, aqui,
tem que ser o parceiro de uma paixão
definitiva e total, compartilhada através de uma vertigem que conduz à morte. O
que Serge Lifar soube imprimir
conectando a emoção à fisicalidade, a corporeidade ao espírito.
Concordando com Paul
Valéry de que “dança é o ato puro
das metamorfoses”, Liane Daydé havia, em nossa conversa, afirmado,
convicta, de que sempre teve este poeta como um de seus guias
estético-espirituais. Sem deixar de incluir, sobretudo, Théophile Gautier por sua metafórica e transubstancial reflexão : “Le Ballet est une musique que l’on
regarde”...
Wagner Corrêa de Araújo
LIANE DAYDÉ como Giselle. Cena do filme Mayerling, de Terence Young. 1968. |
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