ROMEU E JULIETA, na versão coreográfica de Rudi van Dantzig para o Balé Nacional da Holanda. Remi Wörtmeyer e Anna Oll. Foto/Altin Kaftira. |
Há seis décadas começava a trajetória de uma das mais exponenciais cias européias de dança – o Balé Nacional da Holanda, a partir da conexão do então Ballet de Amsterdam com o Nederlands Ballet. Reunindo, a partir de uma idéia de Sonia Gakell, os coreógrafos Rudi van Dantzig e Toer van Schayk, seguidos por Hans van Manen.
Na sua primeira temporada brasileira, em 1975, tive a
oportunidade de manter um profícuo colóquio com estes coreógrafos,
especialmente da parte de Rudi van
Dantzig. Através dos anos continuei acompanhando sua criação coreográfica
que acabou se desdobrando em outras linguagens, a literatura e o cinema.
Neste tempo de pandemia, constato aqui a disponibilização virtual do filme Para um Soldado Perdido, de Roeland Kerbosh, 1992, e também de uma parte da coreografia original no You Tube. Inspirado no relato ficcional de similar titularidade, por R.van Dantzig e, por sua vez, causa e efeito desta que é uma de suas mais celebradas coreografias - Monument for a Dead Boy.
Um dos grandes êxitos no repertório de Rudolf Nureyev que tinha predileção por esta coreografia protagonizando-a,
enfim, pelo Dutch National Ballet, numa versão de R.van Dantzig, datada de 1968. Aliás, um dos livros de R.van Dantzig é sobre a trajetória do bailarino - Remember Nureyev -The Trail of a Comet.
O romance é obra confessional, de temática antenada contra o preconceito pela livre identidade sexual, no seu relato da uma paixão homoerótica desenvolvida
entre um adolescente holandês e um soldado canadense, no último período da
ocupação nazista na Holanda. Que mesmo com seu tratamento mais sutil, ainda assim
provocou polemicas, chegando a ser comparado, em contexto aproximativo da
sedução de um menor, à trama ficcional de Lolita,
por Vladimir Nabokov.
Muitos acham o filme inferior ao livro por não enveredar a fundo no dimensionamento psicofísico dos dois personagens, e em caráter especial do jovem de cerca de 12 anos em processo de atração sexual/emotiva por um soldado canadense de 20 anos, integrante das tropas aliadas ao final da Grande Guerra.
Cena coreográfica do filme For a Lost Soldier, 1992, de Roeland Kerbosh, inspirado no romance de Rudi van Dantzig. |
A coreografia do balé em ato único tem como trilha uma partitura do maior compositor holandês de música eletrônica Jan Boerman (por coincidência morto em
plena pandemia no ultimo mês de outubro), sem qualquer referencial melódico e
quase ríspida em seus acordes percussivos sob sonoridades eletro acústicas.
Nada que lembre o leitmotiv de patética melancolia do Adagio da 5ª. Sinfonia de Mahler, marcando a perturbadora paixão de um velho maestro pelo
jovem Tadzio, do livro "Morte em Veneza", de Thomas Mann para o filme de L. Visconti.
Remetendo esteticamente ao romance, de sotaque
autobiográfico, por Rudi van Dantzig.
Com uma narrativa de substrato proustiano ao mostrar a pulsão repressiva, no entorno familiar e social de um menino abafado frente aos seus desejos homoeróticos. Mas extremamente carregada
de provocativa envolvência psicológica, via energizado e expressivo gestual.
Aproveito, assim, para registrar aqui alguns extratos destas
conversas que tivemos pessoalmente e via correspondência com este coreógrafo
que certa vez escreveu : “Que estas memórias das interessantes conversações que
tivemos se estendam um dia, pessoalmente, do Brasil à Holanda”. R.van Dantzig morreu em 2012
enquanto Toer van Schayk, seu partner de vida e de arte,
continua em Amsterdam atuante com sua obra autoral, paralela ao legado de Rudi.
Reuni estas reflexões de R.van
Dantzig e T.van Schayk, através de temas comums, desenvolvidos em dois
segmentos, começando pelo conceito do que seria, para cada um deles, o ponto vital da dança.
Dantzig : “Para
mim, a beleza, a força criativa da dança está na composição teatral, na
comunhão das formas de arte, no poder da música e na expressividade dos
bailarinos através das modalidades e da vitalidade da coreografia”.
Schayk: “É o uso do
espaço, mais do que qualquer outra forma de teatro, sendo utilizado de uma
maneira absolutamente visível. Isto leva à possibilidade de emoções que nenhuma
arte talvez seja capaz de proporcionar – emoção metafisica, única e fantástica”.
Wagner Corrêa de Araújo
Nenhum comentário:
Postar um comentário