FOTOS/ JOÃO CALDAS |
Depois da surpresa inventiva na dramatização da icônica narrativa
ficcional roseana “Grande Sertão: Veredas”,
Bia Lessa volta com visceral imersão cênica no que ela classifica como “uma geografia de almas” para contextualizar
sua mais recente criação : PI
– Panorâmica Insana.
Uma proposta sob o signo do risco, da polêmica, do susto, da
provocação, do questionamento, a partir da desconstrução dos abalados sustentáculos de
um vertiginoso avanço tecnológico da civilização e que, sob a ilusória aparência de propiciar tempos paradisíacos, torna-a cada vez mais próxima do irreversível direcionamento
para o caos.
Este anti-admirável mundo
novo, onde o sonho acabou, está sujeito a indagações indignadas de seus alterativos
personagens, construídos pelo uso aleatório de quaisquer das onze mil peças do
figurino (Sylvie Leblanc). Cobrindo toda a extensão do palco, do solo e laterais ao espaço frontal, num referencial plástico
de instalação em instigante paisagem cenográfica (Bia Lessa).
A intervenção direcional e conceptiva, titulada como escritura
cênica, se estende também a uma iluminação (em dúplice realização Bia/Wagner Freire) de tonalidade mais vazada para, sobretudo, acentuar o dimensionamento
metafórico de uma imensa caixa cênica aberta fora a fora.
Que prodigaliza semiótica definição, de complexidade non sense, sobre a tragicidade da condição humana, deslocada e desestabilizada, diante do melancólico resultado
de uma realidade tecnocrática trazendo, no lugar da paz, um estado de dilaceração
e aniquilamento.
Presencial no substrato dramatúrgico, ora monologal ora em confrontos
dialetais extensíveis à plateia, reunindo textos de André Sant’anna, Jô
Bilac e Julia Spadacini, no entremeio de citações literárias de F. Kafka e Paul Auster. Por uma irrestrita
e convicta adesão do quarteto atoral integrado por Claudia Abreu, Leandra Leal, Luiz Henrique
Nogueira e Rodrigo Pandolfo.
Onde sucedem-se passagens instantâneas, ora patéticas, ora depressivas,
ora de cáustico ou irônico humor, em caracterizações sob um sotaque de absurdidade no uso
de traços escatológicos e niilistas, desde uma mulher que se satisfaz com as
próprias fezes a pulsões sexuais e cadáveres em meio ao lixo.
Nesta abordagem crua de todas as formas de intolerância e fanatismos sociais, políticos e
religiosos, há que se ressaltar o preparo de uma corporeidade energizada, em compasso quase coreográfico, sob os
acordes e dissonâncias assumidas de um
score sonoro (Dany Roland/Estevão Casé) entre vocalizações manipuladas,
ruídos e frases musicais.
PI–Panorâmica Insana, na sua literalidade da titulação com simbologia matemática sob síntese vocabular
“pi", não é espetáculo facilmente digerível para qualquer espectador diante da incomoda textura contestadora de seu jogo cênico.
Com seu tratamento de teatralidade de choque na exposição de uma imaginária em estado bruto sobre
o que está a nossa volta e em sua transgressiva exposição do desregramento a que estamos submetidos, cotidianamente, e que recusamos ver cara
a cara.
Na radicalização de sua intimidação antilúdica, sua proposta,
afinal, é a de tirar-nos do estado de mera acomodação pois sua verdade é a de um
murro na cara quando, referenciando a estética do movimento britânico denominado In-yer-face theater, é capaz de “nos
dizer mais daquilo que somos de fato”...
Wagner Corrêa de Araújo
PI-PANORÂMICA INSANA está em cartaz no Teatro
Prudential/Sala Adolfo Bloch/Glória/RJ, de quinta a sábado,às 21h; domingo, às 18h. 80
minutos. Até 16 de junho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário