FOTOS/FLAVIA CANAVARRO |
Desde o êxito da abordagem dos conflitos afetivos e
profissionais de dois casais em sua peça de 1962 – Quem Tem Medo de Virginia
Woolf? – o dramaturgo Edward Albee
ficou marcado pela densidade visceral de seus questionamentos, de transcendência
metafísica, das relações conjugais.
Temática a que ele volta em 1992 com Peça do Casamento numa espécie de reciclagem do tema. Desta vez, reduzido
a um casal e num embate, mais naturalista e sensorial, com prevalência do
dimensionamento psicofísico na convivência íntima entre um homem e uma mulher.
Sem o dúplice enfoque das insatisfações afetivas e
intelectuais, presencial nas discussões do dúplice casal da peça de trinta anos
antes, onde ambos eram integrantes da comunidade acadêmica. Retratando, aqui, apenas
o estereótipo do vazio ao qual é
conduzida a disputa de egos e de sexualidades, contextualizados em claustrofóbica
rotina da vida doméstica.
E que o comando diretorial de Guilherme Weber potencializa
em metafórica representação de um palco vazio, contornado pelos reflexos simultâneos
da dupla de atores (Eliane Giardini e Antônio Gonzalez) e do público em incisiva
paisagem cênica especular (Daniela Thomas e Camila Schmidt).
Sem qualquer outro elemento plástico salvo a materialidade de um livro
e a simbológica corporeidade de um homem e de uma mulher. Numa indumentária elegante
(Bruno Perlatto) sugestionando um casal burguês e ressaltada por um reiterativo desenho
de luzes propositalmente vazadas (Beto Bruel).
Na ausência de qualquer trilha incidental, a concepção
gestual (Toni Rodrigues) se estabelece sob o suporte sonoro do jogo verbal e na performance dos insistentes movimentos de
vai e vem da dupla atoral. Ora isolados ora na instantaneidade de junções
físicas e na simbiótica passagem ao desnudamento total do personagem masculino, já na proximidade
do epílogo.
A obsessiva fala do marido (Antônio Gonzalez) em torno de sua
iminente partida tem como contraponto uma feroz ironia na postura comportamental
da esposa (Eliane Giardini) ao citar passagens memorialistas de seu livro
autoral, com luxuriosos relatos, nada condescendentes, das desgastadas transas
carnais entre eles.
Que, no entremeio de diálogos irresponsáveis e quase
agressivos, revelam súbitas quedas de aproximativo afeto, capazes de confundir o
espectador, por estranha e desaforada combinação de feroz malícia e aguda sensibilidade, num
casamento em processo de desconstrução.
Onde o domínio, com autoridade cenica, de Guilherme Weber assegura a continuidade
do ritmo num núcleo dramático aparentemente simples, mas que expõe criticamente
o contraste na construção psicológica dos dois personagens.
De um lado na personificação da insegurança intencional do
marido, entre entradas e saídas, ditos e não ditos, em convicta e espontânea
atuação de Antônio Gonzalez. De outro, na vigorosa pulsão de talento e técnica em Eliane Giardini avançando, com irrepreensível
entrega, em papel de ambíguas nuances
emotivas.
Em representação que exige muito dos atores, à causa do despojamento de uma caixa cênica imagética de reflexão especular
palco/plateia, direcionando a concentração do olhar do espectador no substrato
interpretativo.
Da palavra ao gesto, em tom confessional, entre a clareza e o
subjetivismo da textualidade e da proposta dramatúrgica, em provocativo pensar
sobre o arquétipo do casamento disfuncional.
Wagner Corrêa de Araújo
PEÇA DO CASAMENTO está em cartaz no Teatro
Sesc/Ginástico/Centro/RJ, sexta e sábado, às 19h; domingo, às 18h. 60 minutos.
Até 30 de junho.
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