Claustrofobia. Rogério Corrêa/Dramaturgia. Cesar Augusto/Direção concepcional. Com Márcio Vito.Março/2024. Fotos/Nil Caniné. |
A conexão de uma luminosa tríade do universo teatral brasileiro – o dramaturgo Rogério Correa, o diretor
César Augusto e o ator Márcio Vito – faz de Claustrofobia um dos espetáculos
mais supreendentes da atual temporada carioca.
Partindo de um ideário autoral de Rogério Corrêa que já completou
três décadas de brilhantes experimentos em Londres, desde sua formação
universitária ali como roteirista, mas sem nunca deixar de lado suas vivências teatrais
brasileiras.
Transmutadas em versões virtuais de obras direcionadas tanto
aos públicos daqui e de lá, pela abrangência de suas temáticas, especialmente aquelas focadas nas
demandas afirmativas da realidade gay contemporânea.
Algumas delas em pleno período pandêmico, “De Bar em Bar”, 2020, com direção de
Isaac Bernart e “Entre Homens”, 2021, sob o comando de César
Augusto, vistas em plataformas digitais e sobre as quais tivemos o prazer de
postar críticas elogiosas.
E, agora, pela primeira vez, Rogério Corrêa acompanha presencialmente
todo o processo de criação cênica através da montagem nos palcos cariocas de
sua peça mais nova, contando com uma diferencial performance solo de Márcio Vito e a sempre artesanal direção
concepcional de César Augusto.
Claustrofobia. Rogério Corrêa/Dramaturgia. Cesar Augusto/Direção. Márcio Vito / Ator. Março/2024. Fotos/Nil Caniné. |
Titulada como Claustrofobia redireciona, em sua
origem linguística-verbal, à ambiência reclusa dos claustros de monastérios com
seus solitários ocupantes dialogando, metaforicamente, ora com um Deus invisível,
ora digladiando com seus fantasmas mentais.
Podendo remeter também ao espaço sufocante dos elevadores no
seu reiterativo sobe e desce, onde a única saída são as paradas entre os andares ou o convívio
intantâneo e frio com os que por ali entram e saem como automatos.
Esta imagem inspira assim o próprio isolamento no difícil
suporte da condição humana. E de maneira mais acentuada para os que tem sua
labuta diária sustentada no ofício maquinal dos ascensoristas, tal como o personagem
Marcelino.
Aqui em sensorial e tocante representação por Márcio Vito
dividindo-se em tríplice função atoral, ora como o assalariado nordestino
e migrante na metrópole, na luta por seu frugal auto sustento destinado, também,
às carências de sua mãe. Ou confrontado,
na invisibilidade de uma total falta de perspectivas em seu dia a dia, com o
desprezo de Stella, uma orgulhosa
executiva do prédio comercial que só pensa em sua ascensão funcional.
Além da postura controladora do porteiro Webberson, incluída a sua invasiva e torturante trilha sonora (na
funcional idealização de André Poyart) sob a prevalência de acordes percussivos
e que potencializam a sufocação daquela caixa mecanica. Num reflexo especular
da ambição de chegar a ser um destes policiais milicianos que abundam por aí, pós tolerância do quadriênio recessivo
promovido por uma insensata (des)governança.
Com seu incisivo referencial de instalação plástico/escultórica
preenchendo o vazio da caixa cênica, realização conjunta de Cesar Augusto e
Beli Araújo, incluída aí uma parceria na
indumentária cotidiana no uso de um tipo de largo e escuro macacão.
Tudo ampliado pelos efeitos luminares (Adriana Ortiz) no entremeio
de claros e a prevalência de sombras, com energizada nervosia da gestualidade
corporal, na adequação da proposta de movimento por Andrea Maciel.
Claustrofobia se destaca, assim, por seu intuito de intimismo aproximativo
palco/plateia, ator/espectador, ao expor
o conturbado conflito psicofísico na revelação, sem retoques, das máscaras
sociais que ocultam nossas verdadeiras identidades.
Na potencialidade questionadora de sua dramaturgia (Rogério Corrêa), no alcance de uma visceral
performance (Márcio Vito) e no acerto de um provocativo direcionamento (Cesar
Augusto) voltado à decifração dos explosivos enigmas de um conturbado personagem,
como não encontrar subliminar similaridade, em Claustrofobia, da lição
sartreana antecipadora do conceitual existencialista, já perceptível em Huis Clos (Entre Quatro Paredes) no cáustico
enunciado de que o inferno são os outros :
“O importante não é
aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram
de nós”...
Wagner Corrêa de Araújo
Claustrofobia está em cartaz no Teatro III, CCBB/RJ, de
quinta a sábado, às 19hs; domingo ás 18hs; até 14/04.
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