Jeen Silverman vem se destacando na última geração norte
americana de dramaturgos e escritores que escrevem para os palcos e para a televisão.
E é uma de suas recentes criações - A Inquilina
(The Roommate) que chega agora aos palcos brasileiros em mais uma das acuradas
traduções de Diego Teza.
A partir de um ideário comum das atrizes Luisa Thiré e
Carolyna Aguiar não só na similaridade aproximativa da idade delas com a das
duas personagens da peça, conectado ao significativo simbólico da meia idade
para todas as mulheres, como uma ressignificação do próprio ato de viver a
partir desta fase etária.
Apoiado por mais uma das personalistas concepções direcionais de
Fernando Philbert que vem se destacando, com perceptível habitualidade, por
suas singulares incursões cênicas em significativas criações da dramaturgia contemporânea.
Desta vez contando, além de uma convicta dupla de atrizes, com
o conluio de uma equipe tecno artística de primeiro time, integralizada no absoluto
acerto cenográfico de Beli Araújo e no requinte de sempre dos figurinos de
Karen Bustolin acentuando, aqui, as radicais mutações psicofísicas na personagem de Sharon (Luísa Thiré).
A Inquilina, de Jeen Silverman. Com Luiza Thiré e Carolyna Aguiar. Janeiro/2024. Fotos/Erik Almeida/Pino Gomes. |
Extensivo ao energizado sotaque imprimido pelas escolhas
musicais de Rodrigo Penna que potencializam a corporeidade gestual cotidiana das
duas atrizes através da envolvente direção de movimento (Toni Rodrigues) nas passagens
dance music, sob as diferenciais tonalidades
do design de luz (Vilmar Olos).
Tudo se iniciando com a chegada da nova locatária de Sharon (Luiza Thiré), para preencher o
vazio e a solidão de seu tedioso cotidiano na província, interrompido pelas raras
chamadas telefônicas do distanciado filho designer. Ou pelos repetitivos encontros
das amigas em um clube de leitura.
A inquilina Robyn (Carolyna
Aguiar), vinda diretamente do Bronx nova-iorquino, supreeendendo pelo
despojamento de seus looks assumidamente joviais, contrastando com a sobriedade "careta" da indumentária doméstica da
hospedeira Sharon (Luiza Thiré), embora
ambas portem faixas etárias de mulheres cinquentonas.
E é com natural impulsividade que Robyn se declara identitariamente como uma rigorosa vegana, gay
assumida e fumante inveterada, incluídos aí seus tragos maconhais. Toques
comportamentais que ela vai contrapondo às perceptíveis marcas de timidez e
conservadorismo de Sharon.
Onde já começa a se estabelecer o dimensionamento de uma completa química
entre as duas atrizes capaz, assim, de contagiar o público com um riso fácil ao ver a
progressiva e quase burlesca adesão de Sharon
às pulsões e posturas avançadas de Robyn.
Mas quando esta transmutação súbita de interativa ousadia
entre as duas vai ultrapassando os limites, Sharon
já não se reconhece mais no seu antigo papel de ter sido até ali apenas uma mãe
divorciada e melancólica dona de casa, contando apenas com as ocasionais
chamadas do filho ausente ou a troca de conversas com as comparsas de leituras literárias.
Da aparente ingenuidade na reconquista da sensual alegria de
viver sem padrões limítrofes no além da juventude perdida, ao ápice de uma transformação
ancorada à beira dos ásperos riscos de incentivo às atitudes subliminarmente condenáveis,
desde os golpes financeiros ao roubo, como partes do dia-a-dia existencial,
prevalece a maestria de uma luminosa lição performática destas duas atrizes.
Com o direcionamento ao risível irônico se metamorfoseando em
investigativo processo psicológico de mergulho em duas mentes opostas e que, sequencialmente, vão
se amoldando uma a outra pelo domínio avassalador exercido reciprocamente entre elas, A Inquilina acaba se sustentando esteticamente
como uma comédia dramática entremeada por sutis traços de humor negro.
Longe de quaisquer rótulos acomodativos sem deixar de expor, lado a lado, da corajosa redescoberta das razões do viver refletindo especularmente sobre as nossas próprias identidades, ao desafio de novas trajetórias existenciais apresentadas, mesmo diante do perigo de sermos derrotados por isto ou por aqueles aos quais nos prendemos sem conseguir escapar...
Wagner Corrêa de Araújo
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