Intimidade Indecente, de Leilah Assumpção. Guilherme Leme Garcia/Direção. Maio 2022. Fotos Luciana Mesquita. |
No despontar de seus aproximados sessenta anos, após a
vivência de um relacionamento matrimonial de duas décadas, casal experimenta o
desgaste e surgem os primeiros abalos e rupturas. E que vão se sucedendo, entre
partidas e reencontros, até alcançar a decrepitude da velhice terminal.
Entre os dezesseis textos dramatúrgicos de Leilah Assumpção,
a maioria deles afirmativos da condição feminina sob o signo libertário de um
grito de protesto em desafio à opressão de uma sociedade machista, Intimidade Indecente, de 2002, é o
mais recente entre os que chegaram aos palcos.
Enquanto Mariano, o
marido (Marcos Caruso) confessa estar tendo um caso com a jovem de 17 anos, amiga de sua filha,
provocativamente sua mulher Roberta (Eliane
Giardini) vai mais longe e acaba por
revelar sua assumida paixão homossexual por outra mulher, no caso a sua
analista.
Em sua linguagem despudorada carregada, vez por outra, de agressividade e de
palavrões, a autora desnuda, sem quaisquer atenuantes, os frágeis prazeres e os
podres poderes da sexualidade na terceira idade.
Mantendo, assim, o mesmo vigor de insolência que lhe trouxe a
pecha da fama pela polêmica, por sua postura de permanente enfrentamento, desde os anos da insensata censura e do ridículo conservadorismo da ditadura militar.
Esta peça, a partir de sua estreia, nunca encontrou uma parceria tão
ideal quanto a da performance de Marcos Caruso, ora ao lado de Irene Ravache,
ora de Vera Holtz e, nesta atual temporada, de Eliane Giardini. Com estas duas
últimas atrizes, sob a sempre acurada direção de Guilherme Leme Garcia.
Intimidade Indecente Com Eliane Giardini e Marcos Caruso. Maio/2022 .Fotos/Luciana Mesquita. |
Desta vez, contando com minimalista cenografia (Aurora dos Campos) absolutamente funcional
no seu significado metafórico, sediando plasticamente duas vidas em décadas, à
base de um único sofá em posição frontal num palco despojado. Sob efeitos de iluminação (Tomás Ribas) alterativos, entre
uma prevalência luminar vazada ou climatizando, em emotiva ambiência
psicológica, a cena final.
O casal sempre portando a mesma indumentária, sem qualquer
mudança aparente, com ligeira variação visual apenas no formato do cabelo preso
ou solto de Eliane Giardini ou nas mudanças nas expressões faciais de ambos. E com
entradas musicais incidentais, ora em citações gravadas ora a capella através de popular canção
infantil que acaba tendo o compartilhamento vocal da plateia.
Onde a performance naturalista imprime sempre um
comportamental dia a dia, tanto no
dimensionamento gestual como na
dialetação verbal, ora calma ora tensa, entre os dois atores, nesta abordagem
dos conflitos conjugais e domiciliares próprios à maioria dos casais na
travessia progressiva do tempo e das idades.
O que acaba levando, automaticamente aos clichês e
estereótipos capazes de propiciar, em contextualizados lugares comuns, certa
previsibilidade narrativa mas também uma mais fácil identificação com espectadores, geralmente aqueles na faixa da meia idade em diante.
Provocando-lhes um sensorial riso lúdico à beira de ilusória
alegria ao se depararem, por exemplo, com o questionamento de um dos atores
sobre o que é a solidão. Em subliminar e irônico amargor convergindo ao mesmo
tempo, sob um sotaque de melodrama, para o humor e para a melancolia.
Numa artesanal gramática cênica conduzida com perceptível
empenho e habitual maestria por Guilherme Leme Garcia. Em energizada sintonia
com a potencialidade carismática de dois atores (Marcos Caruso e Eliane
Giardini) esbanjando maturidade nesta pulsão, sob o mecanismo de um signo
verista de liberdade instintiva, direcionada à abordagem performática de um conflito de
vontades.
Em inventário dramático que se sustenta num teatro sólido como
espetáculo, consistente por sua verdade interior. E que revela na sua
contextualização crítica da solidão humana, quem sabe, uma parte da história de
cada um de nós...
Wagner Corrêa de Araújo
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