A ÚLTIMA SESSÃO DE FREUD : INSTIGANTE DIALETAÇÃO DRAMATÚRGIA ENTRE O RACIONALISMO CIENTÍFICO E O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO


A Última Sessão de Freud. Mark St. Germain/Dramaturgia. Elias Andreato/Direção Concepcional. Outubro/2024. João Caldas/Fotos.


Inspirada no livro de 2005 - Deus em Questão - do escritor e psiquiatra Armand M. Nicholi Jr, a peça A Última Sessão de Freud, do dramaturgo Mark St. Germain, transmutou-se em sucesso desde sua estreia na Broadway, em 2009. E mais recentemente - 2023 - dos palcos chegou às telas, em versão direcional de Matthew Brown, tendo como protagonista titular Anthony Hopkins.

E no Brasil, sob a acurada tradução de Clarisse Abujamra, repetiu o êxito da peça original em turnês nacionais, a partir de 2023, chegando, agora, ao palco carioca, com a direção concepcional de Elias Andreato, tendo como intérpretes os atores Odilon Wagner, no papel de Freud, e Marcelo Airoldi (nesta temporada, no lugar de Cláudio Fontana) como o escritor e teólogo irlandês C. S Lewis.

Além de ser indicada aos principais prêmios teatrais paulistas, sua receptividade foi absoluta tanto entre o público como no aplauso da crítica, não só pela sua detalhada reconstituição realista do gabinete de Sigmund Freud. E mais ainda pela luminosa performance dos seus dois atores, por intermédio do artesanal comando de Elias Andreato, com um rico referencial da tradição a que se denominou grande teatro ou, popularmente, “teatrão”.


A Última Sessão de Freud. Elias Andreato/Direção. Com Odilon Wagner (Freud) e Marcelo Airoldi (Lewis). Outubro/2024. João Caldas/Fotos.

Onde o primeiro encantamento da plateia ocorre ao se abrir a cortina e se deparar com uma inacreditável visão naturalista da sala de Freud em Londres, frontalizada,  por uma estante alta preenchida por livros antigos sugestionando edições raras, além de réplicas arqueológicas egípcias, gregas e indianas. Paralelo a um grande e ancestral rádio, sem faltar, é claro, o célebre divã e o indispensável charuto nas mãos do personagem.

Tudo isto, mais os formais figurinos masculinos dos dois atores, numa dúplice plasticidade de raro requinte, por Fábio Namatame, estendendo-se a duas entradas laterais, mostrando uma pia onde Freud expele o sangue de seu terminal câncer oral, enquanto do outro lado, há uma janela de onde se ouvem latidos externos de um cachorro.

O sensorial realismo cenográfico sendo ampliado pelos efeitos sonoros (Raphel Gama) e variações luminares (Gabriel Paiva/André Prado), ora com interrupções por transmissões radiofônicas sobre a iminência de uma guerra mundial, intermediadas por instantâneas intervenções sinfônicas, ou súbitos alarmes de um bombardeio próximo, apagando-se as luzes.

A narrativa dramatúrgica promovendo um encontro imaginário no dia 3 de setembro de 1939 - data  em que a Inglaterra declara estado de guerra contra a Alemanha nazista – entre Sigmund Freud (Odilon Wagner) aos 83 na derradeira fase de sua vida,  com o professor de Oxford, o escritor C.S.Lewis (Marcelo Airoldi), conhecido mais tarde como o autor de As Crônicas de Nárnia e então com 40 anos, no gabinete do psicanalista, para uma conversa dialética e metafísica entre um assumido ateu  e um recém convicto cristão.

Ali, a conversa iniciando-se por polêmica discussão sobre a crença na existência de um Deus magnânimo, pela parte de Lewis, diante dos argumentos contrários do pai da psicanálise, extremados pelo sofrimento de uma doença terminal e pela sua dúvida em crer diante da inexorabilidade de tantas dores no mundo.

Estendendo-se a outros temas como sexualidade, com um conceitual da vida dos dois personagens, e das citações de Freud sobre sua filha Anna e seu médico Max Schurr. Com ritmo preciso nos diálogos que, mesmo sob um sotaque de prevalência analítica e intelectual, não deixa desatento nenhum espectador.

Tanto o Freud de Odilon Wagner, como o Lewis de Marcelo Airoldi, jamais deixando de fluir, com potencial veemência e espontaneidade, a caracterização de  cada um dos seus multifacetados personagens. O que, sobretudo, se irradia através do investimento estético/ideológico imprimido por uma irrepreensível autoridade cênica e diretorial de Elias Andreato.

Ecoando um apelo reflexivo sobre estes tempos, tão dissonantes e de tantas intolerâncias em que estamos vivendo, com sua lição de convivência entre pensamentos díspares, onde tanto a espiritualidade como o secularismo tem suas razões próprias de existir e não podemos sair por aí atirando cadeiras no próximo...

 

                                         Wagner Corrêa de Araújo

 

A Última Sessão de Freud está em cartaz no Teatro Adolfo Bloch/Glória/RJ, sextas às 20h; sábados, às 17h e às 20h; domingos às 17h; até o dia 20 de outubro.

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