The Opera Locos. Cia Yllana/ Madrid. Março de 2023. Fotos/Lighuen De Santos. |
A partir do século XIX a ópera foi deixando seu papel de prioritário espetáculo para classes aristocráticas e se transformou na mais concorrida das diversões cênicas destinadas ao grande público. Invertendo-se, no século XX, seu alcance das multidões com a concorrência do cinema o que a relegou, novamente, a um quase exclusivo elitismo cultural dos aficionados do gênero.
Com o referencial critico de uma comédia cinematográfica de
1935 – Uma Noite na Ópera com os
irmãos Marx, onde o clima narrativo era
marcado por um sotaque pleno de gags,
pontuado em sarcástico humor, sobre os bastidores e as vaidades dos intérpretes
operísticos, a Cia espanhola Yllana
idealizou The Opera Locos.
Que se tornou um fenômeno desde sua estreia em 2018, com êxito
de público e de crítica em vários países e chegando agora, pela primeira vez, aos
palcos brasileiros. Em proposta inspirada numa estética circense sob as bases
de um teatro gestual integrado pelo profissionalismo de atores/cantores de
reconhecida formação lírica, todos com passagens pelo repertório da grande
ópera.
São cinco os artistas sob uma indumentária burlesca (Tatiana de Sarabia) que remete ao imaginário de personagens bufões, típicos
de um picadeiro de circo, especialmente os palhaços, domadores, mágicos e
bailarinas, ampliados sob funcionais efeitos luminares (Pedro Paulo Melendo) e dimensionados numa provocadora direção concepcional de Yllana e Rami Eldar.
Extensiva à sua ambiência cênica sugestionando uma arena encimada por uma lona frontal onde entram e saem dividindo-se, ora em solos ora em grupos, os intérpretes de conhecidas árias de óperas, entremeadas por canções italianas e hits roqueiros, indo de Fred Mercury
a Tina Turner.
The Opera Locos. Cia Yllana/ Madrid. Março de 2023. Fotos/Lighuen De Santos. |
Já desde a cena de abertura através do coro Va Pensiero (Nabuco/Verdi) reduzido a um quinteto vocal,
os cantores expõem a prevalência dos egos,
cada um querendo ir além de suas tessituras ainda que para isto recorram a falsetes vocais para brilharem como prima
donas do Olimpo operístico.
Na sequência musical, imprimida com muita gestualidade fazendo prevalecer a fisicalidade cômica e o canto sobre quaisquer verbalizações, sempre com um exagerado visagismo, alguns temas célebres vão se sobrepondo simultaneamente a outros acordes e estilos.
Incluindo trechos dos Contos de Hoffman (Barcarola), Carmen (Canção do Toreador), Turandot (Nessun Dorma), I Pagliacci (Vesti La Giubba), Gianni Schicchi (O Mio Babbino Caro), a seleções de A Flauta Mágica, La Bohéme, Tosca, La Traviata, Sansão e Dalila, Cavalleria Rusticana, O Barbeiro de Sevilha.
Mixando frases musicais destas óperas a canções populares, como Granada ou Funiculi Funicula, sem falar nas
inserções de sucessos pop/roqueiros. O que acaba provocando um carismático
envolvimento do público, através da incitação participativa numa espécie de master class que une cantores/espectadores em vozes uníssonas e palmas ritmadas.
Sem um enredo rigorosamente preso ao tema original de cada
libreto, improvisam-se provocadoras situações na descida à plateia sob luzes acesas, de
intérpretes do proscênio convocando espectadores, por
intermédio de um microfone, à participação vocal na trilha e até presencial
numa possível subida ao palco.
Intermediando, ainda, situações inusitadas sobre o fundo
musical de certas árias, como Vesti La
Giubba (I Pagliacci) quando um
palhaço bêbado e desiludido em seu camarim é assediado por uma sensual cantora. Lembrando a situação, em âmbito quase especular, de outro filme clássico, Luzes da Ribalta, de Chaplin, 1952. Mas, aqui, o personagem ao invés de aceitar o
galanteio feminino, prefere dar um beijo de boca no contra tenor de peito nu.
Mesmo com certa interrupção do andamento de algumas árias em
não assumido rigorismo, junto ao teor de comicidade dos cantores/atores, há momentos qualitativos do melhor bel canto, através desta trupe imbatível : o contratenor Alberto Frias,
o barítono Laurent Arcaro, o tenor Florian Laconi e as sopranos Diane Fourès e Mayca Teba.
Preconceitos e arraigado tradicionalismo tem que ser deixados
de lado, tanto para para quem gosta ou o que mal conhece o universo operístico,
ao assistir The Opera Locos. Afinal, trata-se de uma busca
investigativa, com o olhar armado na contemporaneidade, na originalidade de uma
releitura aberta e instigante que
conecta a ópera ao teatro de cabaret, ao music hall e ao circo. Afinal, não foi
atoa que a peça ganhou o renomado Premio Max de Artes Cênicas em 2019, na categoria
do melhor musical espanhol...
Wagner
Corrêa de Araújo
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