O Som e a Fúria de Lady Macbeth. De Cristina Mayrink. Janeiro/2023. Fotos/Nando Machado. |
Uma das mais emblemáticas personagens femininas da saga shakespeariana
é Lady Macbeth. Que a partir de uma
livre releitura de seu contexto original vem inspirando algumas versões
autorais com o olhar da tradição armado na modernidade. Entre algumas destas marcantes
revisitações estão a Lady Macbeth de
Yara de Novaes e a de Marcia Zanelatto em sua Peça Escocesa.
Lady Macbeth se tornou um personagem protótipo da
maldade, da ambição desmedida, da ânsia pelo poder, da prevalência egotista,
ignorando qualquer resquício de consideração ou de afetividade pelo seu
semelhante, ao planejar e participar de um ciclo sequencial e parental de
assassinatos.
E, na voz e na vez de Cristina Mayrink, ao enveredar por sua primeira criação dramatúrgica (textualidade primorosa no uso aliterativo dos significados verbais) de própria lavra, a que ela titula como O Som e a Fúria de Lady Macbeth, numa energizada performance solo protagonizada pela atriz, com acurada direção concepcional de Diogo Camargos.
O Som e a Fúria de Lady Macbeth. Com Cris Mayrink. Direção/Diogo Camargos. Janeiro/2023.Fotos/Nando Machado. |
E que se estende, ainda, ao desenho de uma luz entre sombras
e de trilha sonora incidental (em dúplice ideário de Diogo Camargos) preenchendo
o vazio da caixa cênica com alguns raros e ocasionais objetos, simbólicos à trama, manipulados pela
intérprete. Sob uma indumentária (Letícia Birolli) de traços mais sóbrios, ora
com um sutil referencial de trajes monárquicos, ora sugestionando uma
metaforização atemporal de sotaque mais cotidiano.
Onde Cristina Mayrink imprime seu amadurecido legado inventivo
de uma atriz formada no entremeio de anos de convívio, aprendizado e prática dos
ensinamentos visionários de Antonio Abujamra, como uma das integrantes de seu grupo
Fodidos Privilegiados. Transmutando-se,
aqui e agora, nesta sua bela inicialização na escritura cênica após algumas incursões
na literatura.
Sua Lady Macbeth é
vista através de um sarcástico e risível comportamental feminino, fazendo de seus
atos alucinados um retrato dúbio de uma personagem artaudiana sob o domínio do mal e burlescamente impressionada por
seus delírios, querendo devorar o mundo mas sendo deglutida pela insanidade
ingênua ou absurda de seus atos.
Na visceralidade performática do apelo psicofísico de Cristina
Mayrink, numa das surpresas de uma cena carioca finalmente em fase agitada, ela parte
de William Shakespeare mas prioriza seu
enfoque, sob a extrema sandice moral de
uma personagem, dramática e hilária ao mesmo tempo.
Uma Lady Macbeth sitiada,
entre o som e a fúria, tal como um terrível
personagem à frente de nossos destinos, na insensatez de um Brasil contemporâneo.
País assustado ainda com seus fantasmas mas, em tempo de esperança e de acerto
de contas pós eleitoral, tentando a duras penas, acordar de um pesadelo e emergir,
enfim, de um abissal (e por que não
shakespeariano?) mergulho nas trevas...
Wagner Corrêa de Araújo
O Som e a Fúria de Lady Macbeth está em cartaz no Teatro Gláucio Gil, nas quartas-feiras, às 20hs, até 15 de fevereiro.
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