A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA. Reconstituição de 1913/Joffrey Ballet. O divisor da história musical e coreográfica do Século XX. Foto/Divulgação |
Para onde vai a música? Na incessante ebulição inventiva e na profusão de tendências da música de nosso tempo, parece-nos que a única resposta possível seja ainda a de Georges Auric : “Não sei”.
Desde a ruptura com o convencionalismo da escrita harmônica de
quatrocentos anos, processada inicialmente a partir de 1912 com Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern,
estabeleceram-se novos conceitos e formas de comportamento frente ao fenômeno
musical.
Claude Debussy seria, em tese, um dos últimos
compositores no sentido tradicional do termo, na passagem entre o século
XIX/XX, a propor inovações que ainda alcançassem a aceitação e o aplauso do
público. E, com Igor Stravinsky, essa mesma
audiência sofreria um impacto mais radical na sua habitual maneira de encarar a
especulação musical.
Na Paris de 1913, a première cênica de sua Sagração da Primavera, sob um visceral comando coreográfico de Vaslav Nijinsky,
embora não se tivesse afastado completamente dos esquemas e canones estruturais de composição, mesmo
assim causou escândalo por seus avanços modais, levando o público e a crítica a
um histérico protesto coletivo.
A partir de peças como Pierrot
Lunaire, de Schoenberg, o atonalismo começou a propor uma renovação integral, num radicalismo quase
agressivo que iria mudar bruscamente a poética musical vigente. Daí até a
eclosão da II Grande Guerra, o panorama criador ficaria dividido, além dos
dodecafônicos, entre os neoclássicos e os nacionalistas. Com diversidade de experiências
a partir da retomada de gêneros antigos, revalorizados por uma visão atual e
revolucionária.
No segundo segmento, as várias escolas do nacionalismo musical
dariam resultados oponentes, desde uma diferencial inovação sob bases do legado cultural
popular, no caso de Villa Lobos por
exemplo, ao conservadorismo ligado a uma estética romântica dentro do realismo
social soviético (em casos como o de A. Kachaturian
e D.Kabalewsky).
Nos anos do pós-guerra, a revolução musical foi mais longe e
a situação era, de certa maneira, caótica em sua diversidade. Com um excesso de
correntes musicais concorrendo com a indiferença do público e de uma crítica
mais conservadora, resistente à provocação das manifestações da vanguarda (estas
ainda como uma projeção dos horrores e da catástrofe do conflito mundial).
ALBAN BERG. Numa pintura, de 1910, por ARNOLD SCHOENBERG. |
Apareceria então a improvisação estilo free-jazz, seguida nos anos 50, pelo surgimento do rock, sustentado por energizados ritmos quase primitivos, levando sequencialmente à geração e ao gênero pop. Refletindo os anseios, a revolta e a postura contestadora através de canções curtas, tornando marcante duas manifestações da civilização tecnológica – a música como fenômeno de cultura de massa e de consumo imediato e a música como arte underground, no seu reflexo da contracultura.
De 1945 ao inicio do terceiro milênio, houve um explosivo dimensionamento
estético/musical repartido em tendências diversificadas que vão do
dodecafonismo e do neobarroco ao nacionalismo, passando por experimentos seriais,
pontilhistas, compósitos e politonais, a
extremos contrastantes entre o neo romantismo às sonoridades aleatórias,
concretas e eletroacústicas.
Algumas já iniciadas nas primeiras décadas do século XX,
outras surgidas no entremeio das duas Grandes Guerras e, finalmente, aquelas sequenciais da sua segunda metade aos nossos dias. Na riqueza deste panorama de invenção
e experimentalismo vem ocorrendo um fato de fácil constatação entre aqueles aos
quais chega essa incessante e inquieta movimentação musical.
Ora assustando as plateias, com o avanço das buscas investigativas
que, a partir daí, assumem uma preconceituosa atitude de repúdio a toda criação
que apareça sob o rótulo de vanguarda. Para tais espectadores, “o quarteto schoenberguiano irrita porque não
é capaz de provocar o reverie patético em que o ouvinte massificado se delicia
quando ouve (sem escutar) música, pois a práxis tecnológica só é capaz de
usufruir a arte em estado de nostalgia incurável”, afirma Theodor Adorno.
A ordem musical, de repente, se viu alterada. E com a proposta da performance aleatória
haveria, assim, uma total e provocadora reformulação da chamada música de
concerto. Através da participação ativa não só na fruição mas se estendendo
mesmo à colaboração autoral, quase numa condição sine qua non da sua própria razão de existir.
O regente desceria do podium,
trono até então sagrado e inatingível, conclamando a plateia a compartilhar, em
pulsão coletiva, da execução. O espectador deixaria seu estado de acomodada contemplação
e de devaneio e, ao subir ao palco, dividindo ou tomando o lugar do maestro,
manipularia também os instrumentos acabando, em síntese, por completar a obra
musical, deixada propositalmente incompleta pelo compositor.
Assim se abriram as portas para a música concreta com
pesquisa e experimentação interativa de elementos sonoros, onde o ruído atingiria um papel privilegiado na elaboração final da “partitura”.
Tendo seus precursores nos dadaístas e nos futuristas com suas inusitadas
colagens cênico-musicais usando barulhos urbanos (buzinas, sirenes), máquinas
industriais e aparelhos domésticos.
Havendo que se destacar, aqui, o trabalho isolado de Edgard Varese, acentuadamente
experimental e antecipador da música concreta e que acabaria indo mais longe
ainda com a descoberta da música eletroacústica. Sendo, enfim, capaz até de se converter num
multifacetado espetáculo cênico promovendo o encontro de diversas linguagens e, sobretudo,
antenado com a realidade político-social da contemporaneidade.
Wagner Corrêa de Araújo
IGOR STRAVINSKY E EDGAR VARESE. Dois mentores da revolução musical no século XX. Foto/Divulgação. |
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