FOTOS/LUCIANA MESQUITA |
“Eu acho que Bette Davis provavelmente seria queimada como uma bruxa se ela tivesse vivido duzentos ou trezentos anos atrás”, palavras de um crítico inglês (E.Arnot Robertson) seu contemporâneo sobre o primeiro êxito cinematográfico Dangerous, de 1935, já imprimindo-lhe este signo psicofísico no decolar de carreira da atriz.
E que seria indelevelmente sequenciado na prevalência de um personalismo
irascível, sob uma genialidade exaltada, em trajetória próxima de seis décadas e quase
noventa filmes, desafiando, até mesmo nos seus anos crepusculares, os padrões comportamentais
do então dominante star system hollywoodiano.
Capaz de assumir, com similar espírito
de aguerrida luta e ambicioso empenho, o enfrentamento dos percalços, das batalhas
familiares às superações profissionais, para ser, finalmente, reconhecida no triunfo
estelar. E não atoa, ela própria definindo seu nascimento como um fenômeno de
sortilégio bruxesco : “Um raio atingiu
uma árvore na frente da casa no momento em que nasci”.
Ainda, e também, por seu humor cáustico, quando diz ter sido "sempre motivada por uma música distante - um hino de batalha sem dúvida, pois estou em guerra desde o início". Mas sem se deixar
dominar pela melancolia, nos seus relatos do legado memorial, encarado sob
senso e contraponto crítico, no entremeio
do sucesso artístico e da progressiva decadência atoral/física de uma veterana afastando-se dos refletores.
Através de inúmeros encontros públicos, em derradeira
atividade, onde expunha em palestras as lembranças de seu ideário de atriz e
mulher, com a mesma mordacidade de alguns de seus mais celebrizados personagens
fílmicos. Estes, em sua maioria, sob singular
referencial titular de simbiótica malignidade - A Perigosa, A Malvada, Pérfida, Com a Maldade na Alma,
entre muitos outros.
E que serviram de substrato dramatúrgico para Jau Sant’Angelo
no original monólogo O Diabo em Mrs. Davis, com seguro comando
concepcional de Aloísio Abreu e substancial performance da atriz Andrea Dantas,
na comemoração de seus quarenta anos de trajetória cênica.
Em espetáculo interativo sustentado por funcional sobriedade
(Aloísio Abreu), capaz de transmutar o espaço da representação e da plateia em ambiência
cenográfica única (Jau Sant’Angelo e Andrea
Dantas), materializada apenas por uma mesa, com a indefectível caracterização da dependência de uma garrafa de uísque, uma poltrona e as cadeiras do auditório.
Tornando cúmplices o espectador e a atriz na proposta de
sugestionar um “tête-à-tête” com Bette Davis numa de suas
palestras dos anos 80. Sensorialmente ampliado pelo refinado visagismo (Walter
do Valle) e o elegante suporte indumentário (Marcelo Marques) na indução de perceptível identificação psicológico-gestual entre
a atriz (Andrea Dantas) e seu personagem
(Bette Davis).
Convergindo para uma encenação direta e seca, na sua pulsão de intencionalidade irônica e de ferino humor, da textualidade de Jau Sant’Angelo à direção
de Aloisio Abreu, fazendo Andrea Dantas avançar nos recursos histriônicos, com
adequação física, instinto dramático e
maturidade performática, longe de mero estereótipo imitativo.
Sabendo, outrossim, provocar o diálogo vivo entre duas atrizes e
duas épocas, em despretensioso exercício teatral que, por sua irreverente e
instintiva espontaneidade, é de palatável gosto para o cine-maníaco, como há de
incitar lúdico deleite para o espectador.
O DIABO EM MRS DAVIS está em cartaz na Casa de Cultura Laura
Alvim (Espaço Rogério Cardoso), terça e quarta, às 19h. 50 minutos. Até 2 de
outubro.
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