NINE: UMA TRAVESSIA MUSICAL NO ONIRISMO FELLINIANO

FOTOS  BY MARCOS MESQUITA
  
“Eu queria contar num filme como nossos dias são multidimensionais, que o passado, o presente e o futuro se misturam ...Queria tratar a vida interior de um protagonista de uma forma tal que o consciente e o inconsciente se desenrolam como espirais de fumaça” .

Nesta conceitualização de seu filme “Oito e Meio”, Fellini mostra um homem cercado de mulheres sem nunca encontrar na mãe, na companheira, na musa, na amante, na prostituta, na produtora ,  a mulher idealizada. Enquanto mergulhado numa crise de criação como cineasta, num impasse que mistura desejos sexuais, frustrações artísticas e solidão existencial.

No refúgio de um spa , entre o real e o onírico, verdades e mentiras,melancolia e júbilo, Guido Contini(Nicola Lama)  duela e dialoga com  a presença feminina, na tentativa de se  sentir completo, como homem e artista, na busca de “sua mulher”.

Nesta versão brasileira do musical Nine houve uma sensível aproximação com o original de Arthur Kopit (texto) e Maury Yeston( compositor),em mais um notável equilíbrio estético e imaginativo , sem deslizes ou gratuidades, da dupla Charles Moeller/Cláudio Botelho.

Onde a  concepção cenográfica(Rogério Falcão), minimalista, é  capaz, também,  de acentuar a concentração numa vertente  temática de maior visibilidade e  materialização dos conflitos internos de uma mente delirante.

Assumindo, então, grande realce dentro desta proposta, a  sensualização fashion dos figurinos ( Lino Villaventura)  sob a adequada sobriedade da iluminação( Paulo César Medeiros) e a coerência gestual do aporte coreográfico(Alonso Barros). Sem grandes arroubos melódicos( exceto o tema “Ti Voglio Bene /Be Italian”), o score sonoro tem sua segura direção com  Paulo Nogueira e seus  competentes  músicos.

No elenco , destacam-se a irrepreensível protagonização de Nicola Lama , a habitual desenvoltura das atrizes/cantoras Totia Meireles e Malu Rodrigues , incluída,    também, a reveladora surpresa de Myra Ruiz.

 A consistência  enérgica  da  interpretação teatral de Carol Castro releva sua  limitada elaboração musical, enquanto Letícia Birkheuer esconde sua frágil performance na glamourização de modelo. Com distinção aparecem, ainda, Karen Junqueira e Sonia Clara, além das simpáticas intervenções do garoto Luiz Felipe Mello.

No período ,entre o  filme Oito e Meio (1963) à sua transição  para o  musical Nine(1982), o cineasta abandonou  sua  concepção radical contrária à transposição  tela/palco (“Cada obra de arte vive na dimensão em que foi concebida e na qual foi expressa”), demonstrando , a partir daí, seu interesse pela versão da Broadway.

E, se vivo fosse, certamente não deixaria de reverenciar , com seu sorriso de afetuosa ironia, este charmoso Nine brasileiro.




 ( NINE - UM MUSICAL FELLINIANO  está em cartaz no Teatro Clara Nunes, de quinta a sábado, 21h;domingo, às 19h. Até o dia 08/Novembro).

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