ALASKA : QUANDO A CONEXÃO, SOB UM GLACIAL DESAFETO, DEIXA RASTROS BRILHANTES PARA UM RECLUSO ASSUMIDO E UMA DESAFORTUNADA NOIVA

 

Alaska. Cindy Lou Johnson/Dramaturgia. Rodrigo Pandolfo/Direção Concepcional. Dezembro/2024. Pat Cividanes/Fotos.


Deixe-me dançar com demônios em estrelas mortas. Deixe minhas cicatrizes deixarem rastros brilhantes”... Com estas palavras poéticas e reflexivas a dramaturga americana Cindy Lou Johnson conceitualiza sua peça Brilliant Traces, de 1989.

Agora, finalmente, nos palcos cariocas, sob a simbólica titulação de Alaska. Com uma apurada tradução de Luiza Vilela, sob a direção concepcional de Rodrigo Pandolfo, em dúplice atuação cênica com a atriz Louise D’Tuani, a peça estreou em São Paulo significativamente, por sua abordagem intimista da solidão, no período pós-pandêmico, em 2022.

Em que ele, pela segunda vez, exercia o ofício de diretor teatral, para completar-se vencendo o desafio de uma frustração, depois de uma experiência não muito gratificante, em 2014, com A Moça da Cidade. Mas, em Alaska, no alcance de diferencial sotaque criativo, através de montagem tendo como referência estética a base gestual/dramatúrgica de um teatro coreográfico.

Onde a participação de uma “contraregragem performática”, representada por dois atores/bailarinos  (Alexandre Maia e Tayson Pio) tem maior dimensionamento cênico, com a extensão inventiva de sua direção de movimento (Lavínia Bizzotto) aos protagonistas Rodrigo Pandolfo e Louise D’Tuani.  


Alaska. Cindy Lou Johnson/Dramaturgia. Com Rodrigo Pandolfo e Louise D'Tuani. Dezembro/2024. Pat Cividanes/Fotos.


O que acaba por imprimir maior força dramática a um enredo intimista pontuado pelos conflitos existenciais vividos por um convicto ermitão Henry (Rodrigo Pandolfo), abrigado na ambiência cinzenta e solitária de uma casa cercada pela paisagem branca, fria e  glacial  do Alaska. E que, ao ouvir inusitados toques à sua porta, se depara com o provocador espectro de uma estranha mulher - Rosanna de Luce (Louise D’Tuani) vestida como uma noiva.

Misteriosa e enigmática, ela teria abandonado um automóvel após empreender a fuga de uma indesejada cerimônia nupcial. Representada num clima de delírio e de fantasia com sua indumentária (Jay Boggo), paralelo a um sotaque mais cotidiano e atemporal nos figurinos masculinos.

Tudo isto sugestionado pela pictórica ocupação nebulosa  da caixa cênica (Miguel Pinto Guimarães), com minimalistas elementos materiais capazes, assim, de transmitir a sensorial impressão de gélidos silêncios, sinalizados pelo vazio interior e pela ausência física nas distanciadas relações pessoais dos dois personagens.

Em que este mergulho na psicofisicalidade da dupla vai se transmutando, pela plasticidade sensitiva dos efeitos luminares (Wagner Antônio), ora em tons catárticos, ora energizados, ao compasso das intervenções sonoro/musicais (Azulll), acabando por potencializar uma angustiada corporeidade performática.

A absoluta entrega na personificação de dois amargurados seres é intermediada por inesperadas reações afetivas, como o beijo dado nela enquanto dorme quase desmaiada  ou de repulsa quando a mulher diz a ele - “Quem você pensa que eu sou? Alguém que precisa de alguém para alimentá-la?. Até explodir a  raiva e a rejeição quando Henry deixa seus delicados sapatos queimarem no forno.

Prevalecendo, durante toda interpretação, uma consistente investida psicológica nos contornos identitários destes personagens, o que é expresso em cada uma das suas  nuances vocais. E no desempenho de um fluente inventário dramático dos seus contundentes transes humanos, com uma precisa correspondência na envolvência de sua expressão corporal.

Contando com um qualitativo staff atoral, incluído seu diretor concepcional, esta refinada versão de um texto dramatúrgico que se equilibra, entre uma visão realista e um subliminar suporte onírico, contagia atores-espectadores por sua intrigante e questionadora narrativa.

Alaska, em sua atenta e oportuna releitura brasileira, nunca, enfim, deixando de remeter à pulsão do incisivo ideário dramatúrgico de Cindy Lou Johnson no entorno da conexão que deixa rastros brilhantes (Brilliant Traces) :  “Para mim, esta peça é sobre a necessidade de se conectar com os outros. Estamos aqui. Não estamos isolados”...

 

                                             Wagner Corrêa de Araújo

 

Alaska está em final de temporada no Teatro Poeira/Botafogo, de quinta a sábado, às 20h; domingo, às 19h, até o próximo dia 15 de dezembro.

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