IVANOV : ANTECIPANDO O CÓDEX TCHECOVIANO


FOTOS/DALTON VALÉRIO


Estreando, na sua versão inicial, em 1887, Ivanov foi uma simbólica antevisão do que seria o códex estético/dramatúrgico no legado maior de Anton Tchekhov , transubstanciado no tríptico – Tio Vania, A Gaivota e As Três Irmãs.

Melancolia, tédio, remorso, imobilismo, desespero,ganância, egoísmo enfim, de vidas sem perspectivas, num meio rural e pequeno burguês, marcam este texto de classificação autoral como “uma comédia em quatro atos”. 

Mas que em sua progressão narrativa, de sombrio romantismo,  não deixa de ser, em verdade, uma comédia dramática de inusitado viés psicológico/social.

Ao revelar o provincianismo de uma paisagem campesina, habitada por enganos amorosos e frustrações financeiras, com seres reclusos em fachadas morais e comportamentais.

Tais como a do proprietário falido e ensimesmado– Ivanov(Isio Ghelman), assessorado na administração dos negócios pelo sempre ébrio e queixoso Micha(Mário Borges).

Diante do patético distanciamento e das indiferenças patronais tanto a estes reclames monetários quanto às obsessivas declarações de amor de sua tuberculosa mulher Anna Petróvna(Sheron Menezzes),na prevalência sensual do seu cortejo à atração juvenil de Sacha(Mayara Travassos).

Para quem se inclina, no propósito de saldar uma dívida com o pai dela - o presidente do conselho rural Pacha (Márcio Vito) - e de preencher o seu vazio afetivo com a iminente morte de Anna. Que só é amada, ainda, com verdade interior, por seu médico Lvov(Marcelo Aquino).

Um clima quase folhetinesco e melodramático a que o convicto comando de Ary Coslov dá um tratamento inventivo em planos cênicos paralelos. No jogo verbal com seus subtextos reflexivos e na nuance dialética com texturas  de contemporaneidade.

Presente na sua incisiva trilha sonora que vai de temas russos e chopinianos, a acordes jazzísticos e metaleiros e  na aproximativa fidelização  indumentária de época (Beth Filipecki),mais evidenciada nas elegantes vestes femininas.

Completada  no contraponto frontal   de um tablado cru  com  painéis ao fundo, romantizados no sombreamento de arvores , em preciosa realização dúplice na organicidade da cenografia de Marcos Flaksman e da iluminação de Aurélio de Simoni.

Onde um elenco de irrepreensível avanço no contorno dos personagens dá consistência e favorece a representação. Na empatia da construção do caráter supérfluo e depressivo de Ivanov (Isio Ghelman), no vivaz senso de humor, exacerbado um tom acima, em Mário Borges . Na espontaneidade interesseira  caraterizada por Márcio Vito, além do sensitivo moralismo postural de um clínico(Marcelo Aquino) da alma feminina.

E, especialmente na ala das atrizes, na emoção dosada entre a beleza e o ascendente talento de Sheron Menezes e no seguro equilíbrio da discreta e menor incidência do papel de  Mayara Travassos.

Tanto na reiterativa preparação da performance e dos seus mecanismos teatrais em clima de quase ensaio como no  respeito  ao compasso ficcional e sua sequência narrativa originária, mesmo com perceptíveis cortes de personagens e elipses textuais:

Um Ivanov, afinal, pouco lembrado mas de raro e oportuno olhar armado nesta sua retomada e na digna abordagem de sua atualização sabendo, antes de tudo, manter o essencialista clima tchekoviano.

                                        Wagner Corrêa de Araújo


IVANOV está em cartaz no Teatro Ipanema,  sábado e segunda, às 21h; domingo,às 20h. 80 minutos. Até 18 de Junho.

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