PARA ONDE IR : ENTRE DESTINOS ERRANTES


FOTOS/LU VALIATT

O homem conquista sua felicidade sempre pelo sofrimento”. O emblemático questionamento de Dostoievsky com ressonância  no pensar  de Rimbaud : “Não creio no inferno, pois estou nele”. Sob o constante referencial  crítico de Brecht : ”Os senhores por favor, não fiquem indignados pois todos nós precisamos da ajuda dos outros, coitados!.”

A partir deste transcendente conceitual  – no difícil suporte da condição humana -  se estabelecem as linhas dramatúrgicas do monólogo Para Onde Ir .Em dúplice realização textual e cênica do casal Yashar Zambuzzi e Viviani Rayes, em que ele está na performance e é dela o comando diretorial.

Inspirando-se nas adversidades existenciais de Marmieládov , sob os estigmas da opressão como funcionário público e pelas decepções como pai de família, e não em Raskolnikov, o criminoso e torturado  protagonista mor do romance Crime e Castigo.

No  dimensionamento  cenográfico (acumulado, ainda,  por Viviani Rayes) , uma envolvente  proximidade presencial  do público numa taberna viva, onde um alcóolatra solitário compartilha seu ácido desabafo no diálogo afetivo com alguns espectadores.

Em sua sensorial e introspectiva representação dos recortes sombrios de um coração puro , Yashar Zambuzzi vai, assim, desnudando os dramas secretos de um ébrio, humilhado e ofendido pela vida . Replicando-se na filosófica fabulação dostoievskiana do ser humano que se defende crendo que só pelo desespero da dor se alcança a redenção.

Tornando enfática sua verdade interior de que é nesta catarse, entre o amor e a culpa, onde se encontra o consolo para as carências materiais e o perdão das pulsões à prostituição adolescente  e ao aborto, referendados na insistente citação do poema brechtiano A Infanticida Maria Farrar.

Na transição para o Rimbaud de “Uma Temporada no Inferno”, a metonímica metamorfose do destino errante  dos indefesos  em rebeldia  contra a maldição do satanismo terrestre. Num discurso de desmistificação, delirante, alquímico, impuro e demolidor de todas as ordenações sociais e religiosas, em visceral adesão ao Demônio e na recusa de ouvir Deus.

Entre o lamento confessional e a denúncia vertiginosa, entre o pesadelo realista e o onirismo abstrato, sem virtuosismos supérfluos, Yashar Zambuzzi faz uma vigorosa e instintiva entrega enquanto artista e personagem.

No contraponto de luzes ( Elisa Tandetta) moduladas na obscuridade , no recato de um figurino  (Rogério França) sutilmente puído e nas discricionárias incidências sonoras(Chico Rota).

Onde a apurada  e reveladora manipulação cênica(Viviani Rayes) de um microcosmo psicológico alcança o reflexivo  macrocosmo do trágico destino humano:

"A vida é uma miséria; uma miséria sem fim. Por que existimos ?... " ( Arthur Rimbaud em carta à irmã, em 1891 - ano de sua morte).

                                   Wagner Corrêa de Araújo



PARA ONDE IR  está em cartaz na Casa da Cultura Laura Alvim/Ipanema, de terça a sábado, 20h;domingo, 19h. 60 minutos. Até 19 de fevereiro.
NOVA TEMPORADA: na Casa de Baco, Lapa/RJ, de sexta a domingo, às 19h30m. Até 28 de maio.


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