LO SCHIAVO : VALOROSA VOLTA ÀS ORIGENS


FOTOS/JULIA RÓNAI

Desde o tempo de sua composição até sua estreia em 1889, a derradeira ópera de Carlos Gomes, Lo Schiavo, enfrentou polemicas, conflitos, revisões, em relação à sua pretensa abordagem do escravagismo brasileiro.

Em sua trama operística, entre equívocos e acertos, via diversificadas fontes literárias que vão do  poeta romântico brasileiro Gonçalves de Magalhães  ao romancista Alfred de  Taunay, passando por Alexandre Dumas Filho , à finalização pelo  libretista italiano Rodolfo Paravicini.

Sem deixar de lembrar a insistência de Gomes,  ao  incluir um Hino à Liberdade , estranho ao enredo de Paravicini, e que interrompeu o ciclo de estreia de suas óperas em palcos italianos. E onde o formato decisivo acabou optando pela escravidão indígena à época dos anos iniciais do Brasil. 

Aqui, Iberê(Rodolfo Giuliani) o cacique tamoio, é forçado pelo português invasor – o Conde Rodrigo(Saulo Javan),  a se casar com a índia Ilara(Adriane Queiroz), também escrava, com a única finalidade de esfriar a paixão que o fidalgo Américo(Fernando Portari), seu filho, nutre por ela e para  preservar seu futuro compromisso conjugal com a Condessa de Boissy (Cláudia Azevedo).

Por outro lado, nesta  retomada de prevalentes personagens indígenas, sem significativa  narrativa inédita e gerando um conflito étnico/histórico, é com a partitura de Lo Schiavo que  desponta uma escrita musical amadurecida. Capaz de incluir à sua habitual influência verdiana,de um certo  traço wagneriano( no Prelúdio e na Alvorada) à inclusão de harmonias,  de nuance  mais nacionalista, nas danças nativas. 

O maior diferencial da atual montagem é o resgate do que teria sido a ópera em sua integralidade cênica/musical ,sem as omissões que vem marcando sua trajetória. Meritório esforço do maestro Roberto Duarte, complementado no rico dimensionamento que imprimiu ao seu comando da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal/RJ.

A concepção tradicionalista de Pier Francesco Maestrini misturou projeções aos cenários naturalistas (Juan Guillermo Nova) servindo bem à sua proposta estética. Com uma ressalva apenas na passagem da Alvorada, onde as imagens rochosas cinzentas, fugindo ao verde florestal, prejudicaram o explodir aquarelado do amanhecer solar.

Os figurinos(Alberto Spiazzi)  - corretos ,entre tons recatados ou cores tropicalizadas (nas danças indígenas),  com irregularidade no desenho de luz claro /escuro de Fábio Retti, ao provocar sombras ocasionais.

No elenco, o grande destaque é do papel titular com o barítono Rodolfo Giugliani, com sua sólida tessitura e bonito fraseado no Sogni d’amore. Aos quais se juntam a bela vocalidade do tenor Fernando Portari( Américo) ,na seu equilibrada incursão entre os pianíssimos e agudos na celebrada  Quando Nascesti Tu, e os ascendentes matizes dos  recursos líricos/dramáticos da soprano Adriane Queiroz (Ilara), na ária O Ciel di Parahyba.

Além da notável intensidade das cenas corais, a grande surpresa da performance é a enérgica mobilidade da coreografia de João Wlamir. Que,  sem jamais cair no estereótipo do falso gestual indígena academizado pelo clássico, empolga pela plasticidade inovadora de sua configuração rítmica. Com  apurado conjunto de bailarinos e elegante  solo de Karen Mesquita.

Mesmo com seu extensivo prolongamento através de sua partitura revisada, Lo Schiavo soube emprestar dignidade artística e favorecer a representação ,sendo  capaz, assim, de  dominar  e atrair  a cumplicidade da plateia.


LO SCHIAVO  está em cartaz no Theatro Municipal do RJ, dias 21,25  e 27, às 20h;dia 23 de outubro,às 17h. 180 minutos, com intervalo entre os Ato II e Ato III.

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