OS DESAJUSTADOS : SOB FLASHES FOTOGRÁFICOS, O PRENÚNCIO DA QUEDA


FOTOS/ MURILO MEIRELLES 

Mais precisamente no outono de 1959, num hotel em Beverly Hills,  o casal Arthur Miller – Marilyn Monroe  tem como hóspedes vizinhos o casal Simone Signoret – Yves Montand. Encontro que daria pulsão ao processo decisório da desconstrução psicológica do sonho estelar de Marilyn, finalmente, ser levada a sério como uma atriz dramática.

Naqueles dias, o dramaturgo Arthur Miller dava os últimos retoques no roteiro do filme – Os Desajustados - onde, por insistentes apelos da própria Marilyn Monroe, a trama cinematográfica deveria fazer dela uma respeitável intérprete, agora sob os ditames estéticos do Método Strasberg. 

Mas, o contraponto foi outro, na série sequencial de adversidades que afetariam a trajetória existencial e artística da atriz – um passageiro envolvimento amoroso com Yves Montand, a separação de Arthur Miller, a frieza crítica quanto à sua performance no filme (embora dirigida por John Huston), além da morte súbita do seu galã Clark Gable ao término das filmagens.

A partir de um ensaio fotográfico de Bruce Davidson da Magnum, agência americana celebrizada por emblemáticos registros do universo fílmico, sobre aquele encontro dos dois célebres casais, Luciana Pessanha idealizou a sua própria versão dramatúrgica, com similar titularidade, para Os Desajustados.

Com um quarteto atoral fazendo os dúplices partners, a saber Isio Ghelman (Arthur Miller) e Tainá Müller (Marilyn Monroe), mais Felipe Rocha (Yves Montand) e Cristina Amadeo (Simone Signoret), com uma participação alterativa de fotógrafos convidados, por vezes com uma excessiva interveniência, com flashes cênicos ao vivo, em reprodução frontal instantânea interagindo com os efeitos luminares de Renato Machado.

Tornando estas projeções parte fundamental do essencialista suporte cenográfico (por Marcelo Linhares e Fernanda Vizeu) e complementadas numa criação indumentária  de Marcelo Olinto, tornada mais sóbria na temporalidade nostálgica dos resultados black and white das fotos. Com acertado envolvimento na trilha incidental (Alexandre Pereira) e no movimento, via Dani Lima.

Onde acabam eclodindo as complicações do estado de crise matrimonial de Marilyn e Arthurexteriorizando-se, ali, diante dos visitantes Simone e Yves. E no que tange à atuação do elenco, tornando-se de clara e convicta percepção nos reflexos de energizado crescendo dramático, com força sensorial, por Ísio Ghelman (Arthur Miller).

E na segurança interpretativa de um bem delineado papel impositivo, embora de sutilizado enfoque conciliador, através de Cristina Amadeo (Simone Signoret), especialmente nas dialetações desta com o personagem de Tainá Müller (Marilyn).

Enquanto Felipe Rocha se, por um lado, tem alcance coeso e espontâneo na lembrança presencial de um típico entertainer francês, acaba deixando escapar um tom acima de artificialismo no sotaque vocal.

Embora seja favorecida pela aproximada adequação identitária com os caracteres de visualidade física, de visagismo e mascaração da blonde star, Tainá Müller não tem dominio completo das exigentes nuances psicogestuais e instabilidades emotivas em sua personificação. Desde o caráter assumidamente ingênuo e coquette à sedutora malícia, passando pelos descompassos mentais.

Se na sua integralização, a proposta de mais uma vez  levar ao palco a já tão explorada crise de identidade existencial, como artista e mulher, que marcou a trajetória de Marilyn, supera-se fazendo uso de cuidadosos recursos textuais e cenicos, é no equilíbrio da performance e da conduta diretorial onde se revelam iminentes riscos. 

Sente-se, ali, certa superficialidade na falta de mais incisiva dramatização dos conflitos de vontade num quarteto de amigos que se amam e se atacam ao mesmo tempo, no entremeio de provocações de afeto e explosões nervosas, num jogo de acerto de contas.

Que o comando diretorial (Daniel Dantas) deixa de imprimir com mais contínua intensidade para acentuação destes gradativos estados emocionais vividos pelos  quatro personagens, levando a ocasionais perdas na progressão dramática.

E mesmo que esta concepção de Os Desajustados recorra a temática já desgastada nas suas idas e voltas do teatro ao cinema, ora pelo lado documental ora pelo ficcional, há que se reconhecer, aqui, uma manifestação teatral capaz de evidenciar algo de novo tanto no substrato de sua escrita dramatúrgica como em sua representação merecendo, portanto, ser conferida.

                                                Wagner Corrêa de Araújo


OS DESAJUSTADOS está em cartaz no Oi Futuro/Flamengo, de quinta a domingo, às 20h. 70 minutos. Até 19 de maio.

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