NU DE BOTAS: SEM A MESMICE NA TEATRALIZAÇÃO DA MENINICE



FOTOS/RENATO MANGOLIN

Como eram engenhosos os adultos: para cada doença um remédio, para cada problema uma solução, cada coisa no mundo tinha uma função”.

A singularizada abordagem literária do olhar infantil é desenvolvida na escrita de Antônio Prata com uma peculiar narrativa confessional. Capaz de dar à sua personagem/criança um viés reflexivo como se o seu pensar fosse, assim, meio adulto, meio pueril.

A narrativa memorialista das crônicas que integram seu livro Nu de Botas faz da revelação do mundo que o cercou criança, entre os anos 70 /80, um retrato aproximativo, no seu dimensionamento psicológico, de quaisquer gerações.

Não importando, aqui, qualquer prevalência  do contexto factual de citações da especificidade,por exemplo, da Copa do Mundo 82, de uma outra passagem do cometa Halley, de Bozo e dos programas de tv.

Pois, em paralelo, este pode ser, sim, um instante coletivo de nossas meninices, com seus folguedos de quintal, suas travessuras domésticas, a monotonia das férias prolongadas, as primeiras descobertas sexuais e as perplexidades sobre o mundo, a vida e a morte.

E é o consenso entre o mistério e o real, entre a fantasia e a concretude cotidiana, desta visão em solilóquio que a versão dramatúrgica, de Cristina Moura e Pedro Brício, com similar titulação do livro, preserva com um resultado estético de pintura teatralizada.

Na especular distribuição via cinco atores( Inez Viana,Isabel Gueron,Pedro Bricio, Renato Linhares, Thiare Maia Amaral), do alcance da verdade ,de unicidade autoral, de um personagem/escritor(Antônio Prata).

Materializada, ainda, na visibilidade da transmutação de lembranças, em convicto e coeso conluio da direção(Cristina Moura) e elenco, no  desdobramento paralelo da sinceridade das falas e da consistente gestualidade .

Entrecortando o belo desempenho coletivo e o domínio do espetáculo, os traços de uma trilha incidental(Domenico Lancellotti), nunca invasiva do sutil espalhar-se de objetos de remessa nostálgica, no imaginário espaço cênico do Radiográficos.

Além  de um figurino (Ticiana Passos) longe da obviedade,  no seu retrato de meninos e meninas. Tudo sob uma luz ( Francisco Rocha) vazada, mas sem perda da instauração do clima exigido. 


Nu de Botas representa , enfim, uma sólida contribuição pelo investimento na construção de uma nova dramaturgia, capaz de perdurar como as memórias da infância em cada um de nós.


NU  DE  BOTAS está em cartaz no Teatro III do CCBB, Centro/RJ, de quarta a domingo, às 19h30m. 75 minutos. Até 16 de outubro.

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