VAGA CARNE : CONTEMPLANDO PALAVRAS


FOTOS/KELLY KNEVELS

Entre sombras, ruídos/palavras. Na sua contemplativa invisibilidade, insinuações de formas esparsas. E um rosto na penumbra que só revela a silhueta de um olhar e de uma boca em movimento...

Assim começa a singular performance da atriz, diretora e autora Grace Passô , que ela titulou de Vaga Carne. Uma inusitada experimentação da teatralidade  entre o que se ouve e o que não se vê, pela  prevalência do verbo  dissociado  do corpo físico.

Pesquisa apurada em sua carga inventiva com  distanciados ecos referenciais.      Ora remetendo ao Beckett de Eu Não, com sua personagem sem corpo, uma voz audível no escuro. “Sou uma voz. Apenas isso”, nas palavras de Grace.

Ora ao Artaud que renega a palavra desgastada, mediocrizada na sua ressonância cotidiana, pela priorização afirmativa do  corpo, como  instigante veículo estético da verbalização.

Uma voz ficcional , em busca de sua materialização. Metafórica, imaginária, idealizada. Voz tornada invasora da fisicalidade, corpo/ carne /sangue de Grace. E que "vaga", incursiona, estabelece, observando e observada, liames reflexivos entre o sujeito/intérprete e o objeto/espectador.

Com frases entrecortadas, entre pausas de silencio,  na tensão do não dito ou do que prescinde de esclarecimento. Carregada de alusões oblíquas, na sua exposição  sóbria e sofrida, entre veias e vísceras, do mais incisivo e ácido das interiorizações.

Onde a palavra e o gesto perfazem uma gramática cênica de concisão dramática capaz, mesmo assim, de revelar o inesperado na sua liberdade narrativa, instintiva, irreverente.

Um instante criador, particularizado e diferencial, de um monólogo/performance , elaborado em sua concepção plástico/dramatúrgica por Grace Passô. Sem dispensar o aporte valoroso de Kenia Dias e Ricardo Alves Jr, além de Nadja Naira (iluminação), Ricardo Garcia(score sonoro/musical) e Virgílio Andrade (figurino).

Muito além das possibilidades do ato da representação individualizada, de potencialidade carismática e de  domínio artesanal, sobre os conflitos psicológicos de uma mulher enquanto atriz e personagem, Vaga Carne não deixa ,também, de ser um ato de rebeldia.

Corajoso, feroz, desmistificador, no seu substrato social e político, longe do medo de denunciar preconceitos de cor e sexo.  

Capaz, enfim, de alertar, contra a segregação artística que “exclui da zona de visibilidade” todas as minorias e marginalizações  da condição humana.



VAGA CARNE está em cartaz no Sesc/Copacabana, terça, quarta e quinta, às 20h;sexta e sábado,ás 19h;domingo às 18h. 50 minutos. Até 28 de agosto.

DECADÊNCIA: ÁCIDO EMBATE ENTRE O GESTO E A FALA

FOTOS//PAULA KOSSATZ

O ator, dramaturgo e cineasta inglês Steven Berkoff, a partir das teorias do "teatro da crueldade” de Artaud resolveu ultrapassar quaisquer condicionamentos no seu "teatro físico".

Enquanto Artaud conduz o espectador a uma catarse, resultado do seu “tratamento de choque emotivo” através de uma performance ritualística, Berkoff promove um curto circuito entre a palavra e o gesto, entre o falar clássico e a gíria cotidiana.

Na sua teatralização estabelecem-se dois planos que, ao mesmo tempo, se identificam e se confrontam,  numa encenação seca, visceral, ácida, direta: “É a gestualidade paralela à palavra falada, mas em polos opostos, que cria a forma e a estrutura da peça” .

Decadência, de 1981, é uma exemplar adequação de seu ideário estético por uma teatralidade em que se equilibram um texto de denso rigorismo linguístico convivendo com seus flancos de falar malandro, vulgar, popularesco( de alcance valoroso na esmerada tradução de Maria Adelaide Amaral/Léo Gilson Ribeiro).

E de outro lado, a fisicalidade a serviço da palavra ou esta potencializada pela exacerbação do movimento. Onde a linha dramática é irradiada na espontaneidade enérgica da mimetização de cada gesto, seja este cínico, cruel, imoral, pornográfico. Mas sem a fala perder nunca o tom confesso de uma amarga interiorização.

Dois casais ( representados simultaneamente pela dupla Aline Fanju/Erom Cordeiro) fazem um mix alternado dos prazeres e desajustes de amantes aristocráticos e da cínica paixão de uma alta burguesa por um detetive sórdido, na incitação ao assassinato do marido.

Os personagens são defendidos com extremado empenho, na exploração contumaz de todos os seus contornos. Desde  a intencionalidade grotesca e maliciosa de sua gestualidade(Márcia Rubin), em situações/limites de marginalidade e sexualidade, à verbalização de visível envolvência sensorial.

Mas ainda que a convicta proposta diretorial de Victor Garcia Peralta alcance o contundente senso crítico e a necessária sustentação estética deste teatro da totalidade, há um perceptível prejuízo na escolha da amplidão do espaço cênico que, aqui, não favorece a representação.

Onde a culpa não poderia ser imputada ao minimalista aparato cênico(Dina Salem Levy)ou à eficaz elegância dos figurinos( Carol Lobato).Num clima ambiental, não preenchido com maior intensidade, do desenho de luz(Felipe Lourenço),no seu direcionamento às  dimensões físicas de  arena.

Resultando, assim, na  dispersão das sutilezas simbológicas de cada movimento ou de cada expressão facial.  Ou na perda de nuances da vocalização com solilóquios priorizados sobre a forma dialogal.

Numa narrativa, de sotaque camerístico e de prevalente  intimismo confessional erotizado, para denunciar a viciosa amoralidade comportamental da condição humana .



DECADÊNCIA está em cartaz no Espaço SESC/Copacabana, de quarta a sábado, às 20h30m:domingo,às 19h. 80 minutos . Até 28 de agosto.
NOVA TEMPORADA: Centro Cultural Banco do Brasil/Centro, sexta a domingo, às 19h30m. 80 minutos. Até 18 de dezembro.

ORDINARY DAYS:RECORTES MUSICAIS DO COTIDIANO

FOTOS/CLARISSA RIBEIRO

A partir das impressões de leitura do romance Mrs Dalloway(1925), de Virginia Woolf, o dramaturgo Adam Gwon construiu a narrativa de seu musical Ordinary Days, que teve sua estreia no circuito Off-Broadway (2009).

Se no livro há o desdobramento das teias existenciais - paralelas mas conflitantes - do feminino, em Ordinary Days substituem-se estes embates, relacionais ou solitários, pelo dia-a-dia de dois casais jovens,  na contemporaneidade nova-iorquina.

No deslumbre das novas descobertas geracionais, de um lado há personagens afirmativos e decididos em seus sonhos futuros de vida, e de outro, personalidades carentes e inseguras nas certezas de sua própria auto-estima.

Warren( Victor Maia) , mero assistente de um artista, procura ser e se fazer notar  através da abordagem , ainda que incomoda, de gente que passa pelas ruas, distribuindo folhetos com mensagens poéticas  e reflexões autorais.

Ao se deparar com um caderno perdido, recheado de anotações para uma pretendida tese sobre Virginia Woolf, sai em busca de sua titular, a estudante  Derb(Julia Morganti); o que acontece, enfim, nas galerias do Metropolitan Art Museum.

Enquanto isto, Jason( Hugo Bonemer) decide se juntar à sua namorada Claire((Fernanda Gabriela) no exíguo espaço habitacional dela. Onde, mesmo diante de uma carente privacidade, nada impede as surpresas emotivas de um compromisso amoroso, até então  de idealizada afirmação à distancia.

Esta comédia musical romântica, com seu sutil sotaque melancólico, é desenvolvida através de 19 canções sequenciais e sua forma, entre o  dialogal e o solilóquio, é toda ela arquitetada em acordes musicais.

Com modulações de lírica espirituosidade, sem grandes arroubos melódicos ou pretensiosos avanços  na escrita sonora. Mas de enérgica envolvência na execução solo da pianista/dublê de personagem  Arianna Pijoan. E sempre  precisa para sublinhar a ação com a consistente direção sonora de  Marcelo Farias.

O minimalista aparato cenográfico( Equipe Caio Loki) , um andaime e caixas espalhadas pelo palco e projeção de edifícios metropolitanos ao fundo, alcança uma bela visibilidade na identidade  urbanista dos figurinos(Renan Mattos),sob um discricionário mas funcional design de luz(Rubia Vieira).

A competência artesanal na protagonização de um elenco jovem , alternativo a cada apresentação, tem convincente  rendimento vocal e  uniformidade interpretativa.

Destacando-se, especialmente, o carisma de Victor Maia, enquanto cantor  e personagem e a técnica de voz e o temperamento  dramático de Hugo Bonemer. E no naipe feminino, a indisfarçável entrega a um desempenho mais interiorizado em Fernanda Gabrieli e a ágil exploração dos contornos mais bem humorados do papel de Julia Morganti.

A vivência, a segurança e a inventividade  na pulsão dos mecanismos gestuais /vocais do teatro musical, sob o comando de Reiner Tenente,  fazem ,assim, de Ordinary Days um espetáculo valente( pelo limitado suporte financeiro) e revelador por seu sensível apelo  estético.


ORDINARY DAYS está em cartaz no Teatro Serrador, Cinelândia , sexta a domingo, às 19h30m.80 minutos . Até o dia 28/agosto.
Nova temporada no Teatro Solar /Botafogo, quartas e quintas,às 21h. Até 02 de fevereiro.

CÉU DE BASQUIAT: ELEGANTE BRUTALIDADE

FOTOS /RENATO MANGOLIN

O descendente porto-riquenho/haitiano, inicializado de poeta adolescente a performer underground, entre o hip hop e o grafite. Da exclusão social  racista à marginalização dos  drogados, o títere da rebeldia com causa ou da visceral  contestação ideológica.

Entre a solidão e a fama, assim foi  a trajetória de Jean-Michel Basquiat,de criador e de criatura, do êxtase à trágica finitude. Na overdose suicida de speedball(heroína+cocaína) aos 28 anos ,na instantânea ascensão ao céu da arte americana anos 80.

Parceiro artístico de Vincent Gallo, Andy Warhol e Keith Haring,idolatrado por David Bowie, amado por Madonna. E que,depois de ser tema dos filmes de Julian Schnabel (Traços de Uma Vida) e Tamra Davis( Radiant Child), foi capaz de sugestionar a singular performance coreográfica /teatral brasileira  Céu de Basquiat.

Inspirado nos traços existenciais e artísticos de Basquiat, o artista plástico, performer e coreógrafo Márcio Cunha comemora, agora, seus quinze anos de incursões cênicas .  E priorizado,ainda,na sequencial irmandade de mestres das cores e pincéis(Taizi Harada>Botero>Van Gogh>Klimt>Frida Kahlo), sem esquecer os grafiteiros pátrios e a si próprio como desenhista.

Ser introduzido na instalação plástico/cenográfica de sua lavra é o primeiro encantamento da concepção dança/teatro/performance solo de Márcio Cunha. Com iluminadas parcerias artísticas( Ana Paula Bouzas/Aline Bernardi/Juliana Nogueira/Micheline Torres/Mariana Bernardes Baltar).

Onde, entre reproduções e recriações de Basquiat, desde painéis/posters a objetos cotidianos, sob luzes ambientalistas (Juca Baracho) e acordes incidentais jazzísticos, pops e sacros, está metaforizado o universo de um ‘jovem artista negro num mundo de arte branco”.

Movimentos livres, incisivos, diretos, com força maior no improviso criativo que no ato coreográfico, numa identificação com a proposta através de um vocabulário assaz personalista ,entre a poesia e o abismo.

Incorporando  elementos visíveis da obra de Basquiat como luvas de boxe, coroas , aureolas,chapéus,cadeira/trono, signos gráficos  que o intérprete  transmuta  em seu corpo que é, assim, módulo,suporte,tela, muro, calçada, portal.

Sujeito-objeto ressignificando a gestualidade, de seminal brutalização, num experimentalismo formalmente arrojado. Capaz,mesmo em sua densa ritualização de pesadelos e opressões, de impulsionar a envolvência sensorial do espectador.

Pois é, afinal, enquanto artista e personagem, que Márcio Cunha provoca com sua dramatização coreográfica , irreverente e insólita , um jogo cênico vivo e instintivo nesta predestinação  ao Céu de Basquiat.




CÉU DE BASQUIAT, depois de temporada no Sesc/Copacabana, integra a programação de Dança em Trânsito, no CCBB,Centro, dia 26 de agosto,às 21h.

GATA EM TELHADO DE ZINCO QUENTE: ALMAS TORTURADAS

FOTOS/JOÃO WAINER

Solitários, reprimidos, marginalizados, mórbidos, viciados, corruptos,violentos, decadentes, derrotados, resignados, assim são os personagens que habitam o imaginário dramatúrgico de Tennessee Williams.

Almas torturadas sim, mas capazes ainda de encontrar poesia na tragédia , como diz um deles parodiando Oscar Wilde: “Nós estamos na sarjeta mas alguns de nós olham as estrelas”.

E é esta contradição entre o lirismo e o caos que se tornou signo de uma obra de luminosidade incisiva , capaz de provocar o desnudamento  dos pesadelos e revelar os transes de seres em permanente linha abismal.

Em Gata em Telhado de Zinco Quente, estreada nos palcos  em 1955, com  a direção de Elia Kazan, é tal a densidade e aridez de sua trama, que este sugeriu a suavização da cena final ainda que Tennessee Williams discordasse.

Ambientada na solarização do Sul rural, aqui no dia dos 65 anos do patriarca Paizão (Zécarlos Machado), seus dois filhos Brick(Augusto Zacchi) e Gooper(André Garolli), com suas respectivas mulheres Maggie( Bárbara Paz) e Mae(Fernanda Viacava), incluída a Mãezona( Noemi Marinho) , aguardam a festa comemorativa.

Mas antes das amenidades, há o descortino do descompasso familiar, capaz de gerar um perigoso clima de situações/limite. E que, num inesperado  crescendo, gera um insólito embate de personalismos e identidades, entre preconceituosas posturas e agressivos ataques verbais.

Priorizando o afloramento de desejos reprimidos, da insatisfação sexual de Maggie diante da frieza do marido alcoólatra Brick, como de sua presumida "pureza de amizade", disfarce contumaz da homoafetivadade pelo amigo suicida Skypper.

Junto ao  rigoroso sustento da conceituação  textual da obra, o comando diretor de Eduardo Tolentino, evitando virtuosismos supérfluos, tem pleno domínio da sua irradiante exploração estética/emotiva do universo de T. Williams.

No desenvolver de sua gramática cênica  (Ana Maria Abreu/Alexandre Toro)num espaço único(o quarto do casal Brick/Maggie), atravessado pelo requinte dos figurinos(Gloria Kalil), pelas nuances da luz(Nelson Ferreira)e das incidências sonoro/musicais(Surdina),é impulsionada uma ambientação psicológica sedutora.

Onde o inventário dramático é completado na unidade interpretativa do elenco . Capaz não só de bem delinear as sutis verbalizações do ensimesmado papel de  Augusto Zacchi como da carismática força sensorial /emotiva de Barbara Paz. E tendo, ainda, a enérgica performance de Zécarlos Machado, em especial na passagem dialogal,de compasso inquisidor ,com Zacchi.

Sem esquecer a cativante  espontaneidade de Noemi Marinho e a correta inflexão de personificações  mais coadjuvantes( Fernanda Viacava/André Garolli).

Gata em Telhado de Zinco Quente tem, assim, no alto voo de sua teatralização pelo Grupo Tapa, competência artesanal de sobra para alcançar  a cúmplice adesão das plateias.


GATA EM TELHADO DE ZINCO QUENTE está em cartaz no Teatro I do CCBB , Centro, de quarta a domingo, às 19h. 120 minutos. Até 21 de agosto.

TRILOGIA AMAZÔNICA:AMBIENTAL INVENTÁRIO COREOGRÁFICO

FOTOS/JULIA RÓNAI

Embora não ocupe um espaço significativo na extensa bibliografia musical de Villa-Lobos, as obras escritas sob a sigla de dança ou bailados, incluem desde  Rudá, Emperor Jones, Genesis até os primeiros  originais para balé - Uirapuru e Amazonas.

O Uirapuru , ao lado das diversas versões coreográficas de obras sinfônicas como Floresta do Amazonas e de algumas das Bachianas, tem a mais antiga e longa trajetória nos palcos da dança, desde sua pioneira versão de 1934, para o Teatro Colón.

Isto se deve, principalmente, à sua peculiar orquestração, com referências européias  impressionistas e sonoridades nativas. Que , além desta arquitetura composicional, revela, ainda, sua aproximação temática e lendária com o balé Pássaro de Fogo.

Enquanto na obra de Stravinsky, as penas de um pássaro  são mágicas, em Villa Lobos é o canto noturno do Uirapuru , o emissário do amor na floresta amazônica. Sendo as duas obras inspiradas no folclore e na tradição oral ,respectivamente da Rússia ancestral e do Brasil ameríndio.

Na Trilogia Amazônica apresentada pelo Ballet e Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal/RJ é o Uirapuru que abre a performance  numa coreografia, de nítida base neoclássica, na concepção de Daniela Cardim.

Que preserva , com sutil tessitura abstrata, o essencial da lenda indígena, mais presente nas insinuações de pintura tribal nos figurinos( René Salazar) que na própria ação coletiva dos bailarinos.

Incluindo como prólogo um tema da Floresta do Amazonas, o seu contraponto rítmico e melódico teve um especial empenho técnico e densidade emotiva nos solos e duos de Karen Mesquita e Alef Albert.

Já em Alvorecer( fusão de Alvorada na Floresta Tropical e Amazonas), na visão de Marcelo Gomes, o resultado fica aquém na dosagem ambígua das  nuances míticas do Boi de Parintins com o fauno grego. E a mistura, pouco funcional,  de escolares de dança diante de profissionais qualificados, fragilizou, entre erros e acertos, a sustentação da linha coreográfica.

Enquanto em Erosão( por Luiz Fernando Bongiovanni)  houve uma linguagem corporal arrojada , irradiando enérgica gestualidade abstracionista, na sua busca estético/ideológico   das “erosões” ambientais, políticas e comportamentais. Com belos solos (Murilo Gabriel) ,inspirados duos(Filipe Moreira/Viviane Barreto) e alentados trios (Priscila Albuquerque/Murilo Gabriel /Rodrigo Negri).

Constatada ,também,na sólida estrutura interpretativa tanto dos bailarinos como da convincente vitalidade da OSTM, sob Tobias Volkman no comando  seguro desta  rica polirritmia sinfônica. E amplificada na plasticidade cenográfica(Gringo Cardia) e nos preciosos reflexos luminares (Maneco Quinderé).

Permitindo, assim, na integralidade de seus elementos técnicos/artísticos, musicais/coreográficos, transferir quem sabe, as palavras de Mário Andrade para esta Trilogia Amazônica :

“Toda ela duma lógica musical estupenda e duma qualidade alta que não desfalece”.

                                          Wagner Corrêa de Araújo


TRILOGIA AMAZÔNICA com o BALLET e ORQUESTRA SINFÔNICA DO TMRJ está em cartaz no Theatro Municipal/RJ, Centro, dias 6,11,12 e 13,às 20h;dias 7 e 14,às 17h. 90 minutos. Até 14 de agosto.

O MUSICAL MAMONAS: DESPRETENSÃO EFICIENTE

FOTOS/CELSO TAVARES

A lista das fatalidades musicais  em viagens aéreas foi inaugurada por Carlos Gardel, seguida por significativos representantes do jazz e do blues(Glenn Miller,Stevie Ray Vaughan, Ottis Redding) e pelo rock/pop ,com Rick Nelson, Buddy Holly e Ritchie Valens.

E é  o final trágico deste último que tem a maior identidade com o acidente de voo   que dizimou a banda paulista Mamonas Assassinas , em 02 de março de 1996.

Enquanto o sucesso de La Bamba tinha acabado de  impulsionar a carreira juvenil de Ritchie Valens, o  disco de estreia  do Mamonas Assassinas foi  o  boom absoluto. Mas  primeiro, único e último grande alento da banda.

E enfim, vinte anos após aquele susto nacional funesto e de corte laminar da legião de fãs, sobe aos palcos, “O Musical Mamonas”, com roteiro dramatúrgico de Walter Daguerre e concepção diretorial de José Possi Neto.

Mais com intuito de reviver uma passagem, impulsiva e delirante,do instantâneo coletivo da juventude musical  popular brasileira, entre os anos 1995/1996. Numa despretensiosa proposta de teatro musical pelo entretenimento através do resgate fracionado de uma época.

E que  mesmo não tendo força estética maior ,  com seu cancioneiro irreverente , sua ideologia do deboche, sua desbocada  linguística, sem censura e pudores, foi capaz, nesta superficialidade  assumida, de  abalar os cânones sociais  , entre a adesão e o êxtase das multidões.

Tentando fugir do fato cronológico sequencial, o texto de Walter Daguerre imprime uma tessitura ironizada e sem meios tons a esta trajetória artística. Onde explora, com sensível competência, a busca de caracteres díspares e singulares de um fenômeno da mídia, em anos quase crepusculares e equivocados da criação musical brasileira.

Mas é o comando mor de José Possi Neto que impulsiona, com sua habitual competência artesanal, uma incisiva integração cênica de personagens com intencional mix de cafajestismo e ingenuidade, entre o riso e a tragédia.  

Contando com uma bem dosada  arquitetura cenográfica(Nello Marrese), figurinos de vibrante tropicalidade( Fábio Namatame),o colorido das luzes(Wagner Freire)uma eficiente conduta musical(Miguel Briamonte) ,além da enérgica gestualidade(Vanessa Guillen).

Que , ao lado da  desenvoltura da performance, consegue, assim, superar a quebra da espontaneidade em partes narrativas alongadas e desnecessárias por sua fragilização do andamento rítmico.

A presença dos cinco personagens /integrantes da banda Mamonas(Ruy Brissac/Adriano Tunes/Yudi Tamashiro/ Élcio Bonazzi/Artur Ienzura) e do numeroso elenco coadjuvante tem densidade e coesão ,humor e simpatia, suficientes para o domínio e cumplicidade da plateia.

Com a prevalência de Ruy Brissac como Dinho. Calibrado, audacioso, transgressivo em sua irrepreensível entrega , na fisicalidade e no emocional, a um personagem irradiador da alegre malícia cotidiana e do triste desalento da fatalidade.



O MUSICAL MAMONAS está em cartaz no Teatro Net Rio/Copacabana, quinta e sexta ,às 21h;sábado, às 17h e às 21h;domingo,às 19h. 150 minutos. Até 28 de agosto.

UM NOME PARA ROMEU E JULIETA: AMOR ARQUÉTIPO

FOTOS/ANNA CLARA CARVALHO


Meu único amor nascido de meu único ódio. Cedo demais o vi, sem conhece –lo, e tarde demais o conheci! Prodigioso é para mim o nascimento do amor, para que deva amar meu inimigo detestado”.

A mais célebre história do despertar do amor primeiro, entre a Julieta Capuleto  e o Romeu Montechio, numa paixão juvenil de proibição transmutada em tragédia, inspirada a Shakespeare por muitas  narrativas  literárias ancestrais, continua desafiante na multiplicidade de suas concepções.

Na ópera( Gounod), no balé(Prokofiev), no cinema(Zefirelli),no musical (Bernstein), da tradição à vanguarda, da historicidade à atemporalidade da “mortal loucura” de um amor sem medidas.

Da fidelidade textual às transgressões, capaz sempre com sua força imanente de contagiar e sintonizar sem cronologia, entre o lirismo e o caos, a ordem e o êxtase, quaisquer corações e mentes.

Romeu e Julieta na sua linguagem de poética perenidade, entre nuances de delicadeza e tensão, tem tal densidade dramática que arrasta o público ao compartilhamento emotivo  da cruel predestinação  de seus personagens.

A tradução de Onestaldo Pennafort é condensada aqui, com respeito às suas linhas mestras, nas sutis inserções de linguajar contemporâneo e  na redução de cenas indispensáveis  por  um maior redimensionamento de momentos decisivos do original. 

Assim, o comando diretor de Dani Lossant, com suporte dramatúrgico de Diogo Liberano, singulariza sua concepção da tragédia sob o título  de  Um Nome Para Romeu e Julieta.

E ,sem perder a intensidade da trama e a interiorização de seus personagens, revela competência artesanal ao insuflar dignidade estética na fusão do clássico com o referencial da contemporaneidade.

No despojamento cenográfico com materialização de belos achados, nos meios tons dos figurinos(Luci Vilanova), na irradiação de luzes (Daniela Sanchez)sugerindo climas e espaços e na envolvência da trilha ambiental entre o sinfônico e o funk (Luciano Corrêa).

Completado, ainda, na incisiva gestualidade(Nathália Mello) tornando visível o movimento onírico de  exploração do contorno psicológico dos personagens.

Tendo nos papéis titulares de Romeu( Diogo Liberano) e Julieta(Carolina Ferman) e revezando, no elenco, Marcio Machado(pai e Frei Lourenço),Morena Cattoni(mãe e criada), Andreas Gatto e Daniel Chagas, como integrantes das famílias Capuleto e Montecchio.

Jovial e enérgica  passionalidade marcam a performance de Diogo Liberano e Carolina Ferman. Convicção e frieza fazem o firme contraponto em Márcio Machado. Além do alcance de cativante cumplicidade em Morena Cattoni e do eficiente equilíbrio de voz e fisicalidade em Andreas Gatto e Daniel Chagas.

Tudo, enfim ,concorrendo , com ritmo e elegância, para uma inventiva e sensorial retomada de um dos momentos rompantes e estelares da dramaturgia universal.







UM NOME PARA ROMEU E JULIETA está em cartaz no Teatro Ipanema, quartas e quintas, às 20h30m. 70 minutos.De 10/08 a 01 de setembro.


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