ROLETA RUSSA : THRILLER TEATRAL QUASE CINEMA


FOTOS /LEE KYUNG KIM

Nem sempre o   uso das técnicas cênicas na transposição de um livro para os palcos é capaz de evitar os perigos da superposição pura e simples  do texto literário sobre o seu sequencial dramatúrgico.

E ,muitas vezes ,é a adaptação cinematográfica que leva vantagens com seus inúmeros recursos de aproximação da escrita, especialmente na delineação descritiva do discurso dos personagens.

No caso específico do primeiro original do  escritor Raphael Montes – Os Suicidas , esta problemática praticamente  não existe na sua adaptação aos palcos sob o título de Roleta Russa, por César Baptista , dublê de diretor da peça.

Partindo de um entrecho ficcional  que o próprio autor idealizara, inicialmente, como um roteiro de longa  metragem , sem quaisquer ambições de grande produção cinematográfica. Que dos primeiros esboços acabou conduzindo a  um alentado romance policial.

O conceitual quase cinema manteve,  no  livro, muitos enunciados perfeitos para um filme. E daí  ao teatro,  facilitou-se o percurso. Em única ambientação cenográfica com nove personagens jovens, universitários de classe média alta,  reunidos  num porão , sob efeitos catalizadores de  sexo, drogas e rock n’roll , direcionados, conscientemente, para um pacto coletivo de morte suicida.

Em dois níveis cronológicos de leitura -  tempo passado e tempo presente – alternam-se as cenas visíveis com os atores , contrapondo-se aos depoimentos dialogais  audíveis dos pais,  na apuração policial dos fatos. Havendo, ainda, os momentos de alter ego do escritor pelo fio condutor de Ale( Dan Rosseto) sujeitando-se, vez por outra, a uma monocórdia loquacidade.

Preservando o teor literário, a trama se  desenvolve ,  com unidade dimensional  e dignidade cênica, entre o delírio e a realidade crua, pelo eficiente comando mor de César Baptista . Sem disfarces na rudeza das palavras e na agressividade gestual, envolvendo desde atitudes homofóbicas   e síndromes mentais ao  desprezível trato da condição feminina.

Onde o desenho das luzes( Luiz Antônio Faria) explicita fisicalidades e emoções marginalizadas, ampliadas  pelas incisiva coerência das incidências sonoro/musicais(César Baptista) e o ajustado tom dos figurinos(Rodrigo Reinoso).

O elenco masculino(Dan Rosseto,Diogo Pasquim,Emerson Grotti,Felipe Palhares, Gabriel Chadan,Helio Souto)radicaliza nos elementos degradadores em impactante performance . 

Mas prevalece também uma vibrante  homogeneidade no empenho e na estilização individual dos caracteres femininos (Lorrana Mousinho, Maria Dornelas, Virginia Caselões).

Com seu poder de comunicabilidade sob tensão e   pelo olhar rigoroso sobre a transgressividade comportamental, Roleta Russa é, enfim, uma exemplar incursão estética na anarquia, na desordem dos valores e no nosso caos cotidiano.



ROLETA RUSSA cumpriu temporada no Teatro Net/Copacabana, todas as quintas feiras do mês de abril, às 21h. 100 minutos.
A peça volta ao cartaz de 18 de maio a 16 de junho, quartas e quintas, 20h,  no Teatro Maria Clara Machado, Planetário da Gávea.


O QUE RESTOU DO SAGRADO : MISSAL PROFANO

FOTOS/ JÚLIO RICARDO

Desde a ancestralidade existia a afirmação filosófica de que é o medo o responsável pela criação dos deuses e das religiões. E a “morte de Deus” começa no questionamento da bondade divina diante do mal, da miséria, do horror e de todas as adversidades que marcam a trajetória do homem pela  terra.

Partindo,  contraditoriamente,  da afirmação cristã  de Santo Agostinho de que “Deus permitiu o mal para dele extrair o bem”, Mário Bortolotto escreveu sua  polemizada trama dramatúrgica “O Que Restou do Sagrado” . Quase com um reflexo tardio de um período de “trevas” que teria vivido como seminarista.

Num  simbológico referencial sartreano,  ele reúne sete personagens “entre quatro paredes”, representadas aqui no espaço de uma igreja  claustrofóbica, capaz de abrigar apenas 20 lugares , destinados a uma plateia de olhares armados por uma  situação de risco iminente.

Metaforicamente confinados numa câmera de torturas  em que torturados e torturadores se confundem , incluídos os próprios espectadores.

Diante da demolição do paraíso bíblico, a única certeza é a da condenação que acontece na ácida transmutação coletiva de que ali “ o inferno são os outros”.

As mais torpes personificações dos desejos e as mais abjetas manifestações da faixa marginal da sociedade são aqui assumidas por uma linguagem livre, desbocada, próxima do pornográfico e do escatológico.

Mas conduzida pela força da entrega e pela  busca de surpreendentes possibilidades interpretativas para  um elenco jovem ( Ana Carolina Dessandre, Carolina Godinho,Daniel Bouzas,Diogo de Andrade Medeiros,Fábio Guará,Elio de Oliveira, Lucas Tapioca e Monique Vaillé).

O que não é nenhuma novidade ,  sabendo-se do já bem sucedido dossier artístico  das duas Cias ( Grupo Fragmento e Tartufaria de Atores), unidas agora  na teatralização desta proposta.

Juntando o reforço técnico de integrantes próprios como Diogo de Andrade Medeiros(cenografia),  Monique Vaillé (produção) e Nirley Lacerda( trilha sonora e direção) , ao profissionalismo de Patrícia Muniz(figurinos) e Paulo Cesár Medeiros( iluminação).

A concepção e o firme comando de Nirley Lacerda asseguram credibilidade a um espetáculo limitado  não só pelas suas próprias condições de espaço  físico,  mas também por uma temática difícil por sua  incomoda  e perfurante provocação de nossos medos .

Mas que resultou maduro, sério, reflexivo. Compensando, enfim,  o soco na postura anestesiada por um  falso espiritualismo de fuga aos desacertos de nossa trágica aventura neste terreno mas enigmático mundo .



O QUE RESTOU DO SAGRADO está em cartaz no Castelinho do Flamengo, Praia do Flamengo, terças e quintas, 20h30m. Entrada franca mediante senhas. 50 minutos. Até 12 de maio

A CUÍCA DO LAURINDO : NA TEATRALIZAÇÃO DO SAMBA


FOTOS /  RENATO MANGOLIN


A trajetória lendária de um personagem popular ficcional do morro da Mangueira começa , em 1935, com um soneto de Noel Rosa- Triste Cuíca , imortalizado em estórias de samba ( Hervê Cordovil).

Malandro , pracinha, galanteador e sambista , Laurindo (Alexandre Rosa Moreno) foi, assim, identificado nominalmente nos versos musicais de Herivelto Martins, Haroldo Lobo, Wilson Baptista,Heitor dos Prazeres ,entre outros muitos mestres cantadores de suas aventuras.

Partindo do imaginário deste  vasto repertório , Rodrigo Alzuguir  idealizou um roteiro dramatúrgico, misto de musical ,com  relatos, tipos e  comportamentos de uma era antológica de consolidação da criação sambística.

A Cuíca do Laurindo faz ,assim, uma radiografia sonoro /  poética de tempos históricos de boemia carioca, no descompromisso e na levada das batucadas. Da pobreza de subúrbios e morros às noitadas mais caras, mas  sem preconceito , do Café Nice.

Neste cordão encantado, sem limites de gênero  ,   com sotaque de teatro de revista, de cabaré , em clima de gafieira , nas ondas do rádio e no recorte da chanchada cinematográfica, conduzido com visibilidade e  adesão sincera pelo diretor Sidnei Cruz.

Onde há generosas retomadas  musicais  nos  arranjos de Luís Barcelos para dinâmicos  experimentos instrumentais (violão, cavaquinho, sopros e  percussões). 

Completada no sensorial gestual coreográfico imprimido por Ana Paula Bouzas, sob a adequação dos figurinos ( Flávio Souza) e luzes (Aurélio de Simoni) a uma  recatada concepção cenográfica(José Dias).

Que,  arquitetada em dois planos,  exibe os músicos sob rampas laterais rústicas por onde sobem e descem os atores, numa singular favelização do luxo das revistas musicais. Onde as coristas, as plumas e paetês  e os efeitos luminosos dão lugar a improvisados e simplificados disfarces .

Em ajustado senso interpretativo são realçadas vozes e movimentações individuais e coletivas  de um  elenco (Alexandre Moreno, Cláudia Ventura, Hugo Germano, Marcos Sacramento,Nina Wirtti,Rodrigo Alzuguir,Vilma Melo)que prende o espectador por sua intuitiva espontaneidade.

Se, por um lado, sobram calor e fluem bem humoradas marcações, há quebra no ritmo quando a narrativa ,por vezes, se perde em confusas elucubrações de trama policialesca e de mistério.

Mas se a teatralidade carece de ser mais concisa, há uma convicta e sensível procura por novas soluções  e saídas.  Para que o espetáculo atinja o tom exato e revele, enfim, outros  possíveis caminhos para um  musical à brasileira. 

                                                    Wagner Corrêa de Araújo





MYRNA SOU EU: FEMINISMO RADIOFÔNICO

FOTOS/JOÃO CALDAS


Já dizia Balzac, “o texto da vida feminina será sempre igual. Sentir, amar, sofrer e sacrificar-se”. E as mulheres  nos livros em que Nelson Rodrigues usava, como autor,  os heterônimos do segundo sexo não estão longe disto.

É o que revelam os romances/folhetins,  de Núpcias de Fogo, sob o nome de Suzana Flag,   aos escritos  de Myrna, nos livros -  A MentiraA Mulher que Amou Demais e Não Se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo.

E é este último que inspira , com sua reunião das crônicas publicadas no Diário da Noite(1949), a versão teatral Myrna Sou Eu –Consultório Sentimental de Nélson Rodrigues.

A radialista Myrna (Nilton Bicudo) responde às   cartas de leitores ( a maioria mulheres) sobre ilusões amorosas, dúvidas de paixão em torno  dos consortes (namorados, maridos e até  amantes), conflitos domésticos. Mas pairando, sobre tudo, o fantasma do grande medo da solidão.

A caracterização masculina de um personagem mulher enquadra,assim, seu referencial /tributo ao escritor Nélson falando pelo viés feminino de Myrna.

Nestas cartas ,  um flagrante  comportamental , sem retoques, da família, da moral e dos costumes da sociedade brasileira e, especificamente carioca, do final dos anos 40. Com uma verdade psicológica  incisiva  por trás da aparente ingenuidade irônica e risível  com que é apresentado .

Capaz, enfim,  de atingir quaisquer  corações e mentes pela atemporal realidade dos embates  nas  relações amorosas. Apenas disfarçados  na aparência cenográfica    de nostálgicos anos,  mas de eterna  identificação intimista no seu espelhar dos sentimentos  e das hipocrisias humanas de todas as épocas.

Nilton Bicudo (Myrna)  sabe, com autenticidade, dizer o texto como quem está vivendo a compreensão do que diz. Na força de uma entrega naturalista ao personagem,  sem cair nos clichês,  e pela gestualidade certeira de   domínio das pausas, entre a angústia e o humor dos questionamentos missivistas.

Os precisos códigos de cena assumidos pelo comando de Elias Andreato, dublê de cenógrafo, mantem a constância do ritmo em tempo de solilóquio , dando sustentação dramática e envolvimento público a  uma textualidade de sotaque literário.

Onde, o jogo lúdico num estúdio de rádio é completado pelo acerto técnico e artístico dos figurinos (Fabio Namatame), desenho das luzes(Adriano Tosta) e incidências sonoras de saudosos comerciais e passagens musicais ( Jonathan Harold).

Conduzindo,  certamente  , esta visão confessional masculina do amor feminino,  à “assexuada”  advertência  filosófica de Nélson – “É o desamor que explica todos os males, da brotoeja à úlcera, da urticária ao câncer”.



 MYRNA SOU EU - CONSULTÓRIO SENTIMENTAL DE NÉLSON RODRIGUES está em cartaz no Teatro Poeira,Botafogo, terças e quartas, às 21h. 70 minutos. Até 27 de julho.

DON QUIXOTE: ARMAÇÕES OPERÍSTICAS DO CAVALEIRO ANDANTE

FOTOS/JÚLIA RÓNAI


Méliès , Pabst, Orson Welles, Gustave Doré, Portinari,  Petipa, Minkus, Massenet, Richard Strauss , são alguns dos gênios do cinema, das artes plásticas ,do balé e da música que se inspiraram no celebrado personagem de Miguel de Cervantes. Que ainda rendeu séries de animação e um musical da Broadway.

Fruto do imaginário literário  espanhol do século XVII, a figura anacrônica e grotesca de um cavaleiro andante, ultrapassou estes caracteres risíveis de um anti-herói. E, assim, assumiu uma metafórica definição da própria  trajetória da condição humana, entre o sonho e a realidade.

Estreada em 1910, esta isolada incursão operística nas aventuras quixotescas , não alcançou a mesma dimensão das outras criações de Jules Massenet a partir do universo livresco, como Manon, Werther e Thaís.

Fruto dos derradeiros anos do compositor, Don Quichotte ( no original francês) atendia a dois propósitos . O entusiasmo pela sequencia de suas  estreias em Monte Carlo e a dedicação da obra ao inolvidável talento cênico e vocal do baixo/barítono russo Fiodor Chaliápin.

Tornando-se este , sem dúvida, o responsável maior pelo êxito inicial, em detrimento da escrita musical não tão singular melodicamente e menos popularizada.  Constatada no seu raro aparecimento no repertório dos grandes teatros e, naturalmente, em favor da arte de intérpretes da tessitura  baixos/barítonos na linhagem sucessória de Chaliápin, como, por exemplo, Nicolai Ghiaurov.

Abrindo a temporada lírica  oficial , ao lado da partida artística  dos 400 anos de morte de Cervantes,o Theatro Municipal retoma uma brilhante produção paulista ( Theatro São Pedro), onde são exponenciais tanto a concepção cenográfica, o naipe de intérpretes, como a régie e a condução musical.

Mais uma vez Nicolas Boni dá uma lição de bom gosto estético no seu desenho de cenários (a partir das gravuras de Doré). Extensivo aos tons pasteis e barroquizantes dos figurinos de Fábio Namatame, acentuados pelas luzes entre sombras de Ney Bonfante.

O elenco mostra-se ajustado, sempre revelando segurança e equilíbrio, incluindo-se os papeis coadjuvantes(Roseane Soares,Marianna Lima,Aníbal Mancini,André Rabello), sob a irretocável  e sensível direção de Jorge Takla.

Enquanto este sabe conduzir às alturas o domínio cênico, o timing e a magia da representação,o maestro Luiz Fernando Malheiro imprime ritmo, magnetismo e delicadeza(em especial  nos interlúdios sinfônicos) à OSTM. Acrescida de eficiente atuação do Coro e envolvência nas cenas coreográficas(Nuria Castejón).

Graça, técnica e maturidade musical no Sancho Pança(barítono Eduardo Amir),presença cênica,um eficaz crescendo e iluminação vocal em Dulcinéia (mezzo soprano Luiza Francesconi).

Além da densidade dramática, verossimilhança física e apurado fraseado na protagonização titular do baixo Gregory Reinhardt. 

Capaz,  na empatia de sua carismática performance, de remeter às imagens fílmicas(1932) eternizadas de Chaliápin, no clássico expressionista de Pabst.

                                          Wagner Corrêa de Araújo



(DON QUIXOTE fica em cartaz até o dia 22 de abril , no Theatro Municipal/RJ. Terça, às 20h; sexta, às 17h.)

ENTRE CORVOS : CRIATIVIDADE DELIRANTE


FOTOS/ARTHUR VIANNA

Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno”.

De Antonin Artaud a Vincent Van Gogh, os expelidos do mundo, a  inspiração para  uma das mais simbológicas montagens teatrais da temporada – “Entre Corvos”, com dramaturgia conjunta de Marcelo  Aquino /Ary Coslov.

Recluso em manicômios ,quase uma trajetória existencial inteira, este  escritor,  poeta, ator e dramaturgo  francês notabilizou-se, nesta condição ímpar, por sua notável passagem pela criação artístico/literária  francesa da primeira metade do século XX.

Sua metafórica denominação do “Teatro da Crueldade” não remetia diretamente à violentação corporal mas a um impulso de delirante criatividade – “Uso a palavra crueldade no sentido gnóstico de trabalho e vida que devora as trevas”.

E , assim, partindo do eco contemporâneo do ensaio, de 1947,  O Suicidado da Sociedade, transcendendo os limites palco/plateia, o ator protagonista Marcelo Aquino,com exponencial direção teatral (Ary Coslov) e de movimento(Ana Vitória), concretiza uma singular criação teatral.

Aqui, vozes, gestos e atos estabelecem um visceral discurso ideológico contra as falácias psiquiátricas, as convenções sociais, o moralismo religioso , a impossibilidade de amar . Contra tudo e contra todos, pela liberdade da condição humana.

Numa minimalista concepção cenográfica e figurinos cotidianos ,que Ary Coslov acumula ao seu comando mor , é alcançada a pureza e a magia poética da representação,  mesmo na sua dissecação cruel das vísceras, do sangue e da alma .

O ultra sensitivo suporte musical ( Ary Coslov) faz um mix envolvente de Chopin, Debussy, Schoenberg, avançando até Bon Jovi ,Gus Viseur,João Gilberto e Nico Nicolaievski.

Onde o clima de fantasia é ,ainda, alcançado  pelo ambiental desenho das luzes (Aurélio de Simoni) e pela retomada da ideia original da mostra Artaud/Van GoghLe Suicidé de La Société, Musée D’Orsay (2014) ,na animação visual do quadro Campo de Trigo Com Corvos.

O incisivo e emotivo  gestual ( Ana Vitória),na sua investigativa exploração da fisicalidade,  encontra  um simbológico referencial no próprio Artaud – “Deixem que dance enfim a anatomia humana”.

A adição de textos literários de autores e épocas diversas, citações  imagéticas, em fotos e vídeos, culmina no espanto e no doloroso questionamento  do texto final. Catártico ao arrastar a uma imediata empatia coletiva .

E capaz de dar absoluta autoridade  carismática  à performance de Marcelo Aquino, numa mistura incendiária - personagem>espectador>Artaud - cada um representando a sua vida, em enigmático e provocante  elo :

Vocês  são eu e eu não sou vocês


ENTRE CORVOS está em cartaz no Espaço Sesc-Mezanino, Copacabana,de quinta a sábado,21h;domingo,20h. 70 minutos. Até 24 de abril.

NOVA TEMPORADA: Teatro Solar, Botafogo, segundas e terças, às 21h. Até 02 de agosto.

MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS : OU COMO SOU INFELIZ

PÁPRICA FOTOGRAFIAS

Uma bizarra mistura de melodrama e comédia, assim boa parte da crítica e do público classificou o filme de Almodóvar, de 1988,  que na sua transposição cênica  como musical da Broadway conserva o título original – Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos.

Pepa ( Mariza Orth) carrega uma gravidez não desejada de Ivan (Juan Alba) ,o amante que a abandonou por  Lúcia (Stella Miranda),além do espanto  de saber que sua melhor amiga Candela( Helga Nemeczyk), se apaixonou por um terrorista.

Integram ainda a trama Carlos (Daniel Torres), o filho fragilizado de Lúcia e  noivo de Marisa( Carla Vasquez), o tresloucado  taxista/narrador (Ivan Parente) e a advogada(Erika Riba).

Reflexo dos novos tempos comportamentais  e artísticos com o fim da era Franco , outros horizontes se abrindo inclusive com a abertura contracultural do movimento “movida madrileña”, há uma predominância do sotaque kitsch tanto  na linguagem da tela como na do palco.

Irreverência e  promiscuidade sexual, num enredo farsesco entre  o humor e o drama, carregado , em cores fortes, de  um provocante referencial a prostitutas, drag queens, freiras e drogados.

Explorado na medida exata, sem cair no mero grotesco e na vulgaridade,  pelo tom folhetinesco adotado pela versão textual e pela concepção cênica de Miguel Falabella. Com um elenco ajustado aos papéis , conduzido com ritmo e meticulosa tarimba.

As personagens femininas protagonistas revelando uma unidade interpretativa que , de forma convincente, passa emoção e riso para a plateia. Com marcações naturalistas dispensando artifícios desnecessários, tanto  no nervosismo extrovertidamente desesperado de Mariza Orth, como na espontânea exaltação de Stella Miranda.

Ou  na garra comunicativa revelada nos caracteres risíveis de Helga Nemeczyk. E , ainda, pelo viés masculino, na canalhice sedutora de Juan Alba e nos delírios de Ivan Parente, funcionando sempre num coesivo timing de todo o elenco.

A  montagem tem uma sensível visibilidade na bem cuidada arquitetura cenográfica (J.C. Serroni), no clima de fantasia propiciado pelas projeções (Renato Vilarouca) e pela iluminação (Drika Matheus) , no requintado figurino( Fabio Namatame) e na dinamizada gestualidade coreográfica( Fernanda Chamma).

Mas sua trilha , sem um especial  brilho e apelo melódico,  não dá o suporte musical necessário à transposição  da trama fílmica, mesmo na sua latinidade de rumbas, mambos e até bossa nova, nos cuidadosos  arranjos e afinada  execução do conjunto, sob André Cortada.

Permitindo, ao final ,a frustrante  sensação de um   nostálgico gosto pelo original cinematográfico, na sua superatividade  diante  do musical. Incapaz este, enfim, de uma real autonomia inventiva  na transmutação da graça irônica  e desenvoltura crítica da obra almodovariana.



MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS está em cartaz no Teatro Oi Casa Grande, Leblon,sexta às 21h; sábado , às 17h30m e 21h30m;domingo, às 17h30m. 120 minutos. Até 8 de maio.

INTRÉPIDA TRUPE: ESTÉTICA DO RISCO

FOTOS/RENATO MANGOLIN

O risco desaparece quando não existe o medo. E é assim que os integrantes da Intrépida Trupe vem desafiando, há três décadas, com suas trajetórias cênicas de irreverente coragem, o ato da criação sobre uma corda no abismo.

Desde as primeiras incursões, nas  ruas e  sob a lona do Circo Voador,  até o reconhecimento público e crítico,  como companhia de linguagens circenses , em apresentações  na Copa do Mundo 1986, no México.

Como intrépidos intérpretes numa trupe de atores/ acrobatas /bailarinos que vem enriquecendo a cena cultural brasileira, não só com uma singularizada comunhão de artes, mas em alentados  ofícios pelo bem social.

Capazes, já nas primeiras criações, de demonstrar uma liberdade inventiva tão grande confundindo até mesmo  a nominação de grupo , sem limitações entre o acrobático, o teatral, o coreográfico, além ainda da performance plástico/visual.

O que, abrindo  exponenciais perspectivas criadoras, enunciou um infinito  propósito conceitual através de realizações de rica diversificação na abordagem temática , do científico ao literário, do esportivo ao comportamento social.



Dando continuidade a este projeto desbravador que já teve os nomes, entre outros, de Graciela Figueroa e Deborah Colker, Gringo Cardia e Thierry Tremouroux e, agora, do coreógrafo Mário Nascimento,  convidado para abrir as comemorações de aniversario (1986/2016).

Com sua original e arrojada marca investigativa na contemporaneidade , ele se atirou à experimentação visceral da fisicalidade humana ,numa obra aberta ao fazer coletivo com os intrépidos/integrantes – sob o título de  À Deriva.

Sem usar equipamentos aéreos sofisticados, preso apenas a acrobacias em tecidos e arcos suspensos, apropriou-se da identidade atlética e personalista dos intérpretes, incorporando-lhes um significativo traço coreográfico .

Sem jamais interferir no potencial de corpos acostumados a um absoluto tônus de torsão e flexibilidade. Mas destacando a particular expressividade gestual , o sotaque de lírica sensualidade e o envolvente feeling de cada um deles (Ana Lu Rehder,Beth Martins,Camilla Oliveira,Ciro Ítalo,Diogo Monteiro, Júlio Monteiro,Maria Celeste Mendozzi,Phelipe Young e Vanda Jacques).

O score musical ( Camilla Oliveira/Phelipe Young/Mario Nascimento/Steven Harper), entre o eletrônico, um sotaque break e passagens jazzísticas, alterna síncope e inspirada ambientação sob luzes(Dodo Giovanetti/M.Nascimento),numa cenografia minimalista e figurinos cotidianos, tudo de artesanal  concepção conjunta (Mário Nascimento/ Intrépida Trupe).

Como uma nave ao léu , batendo contra tudo, À Deriva reflexiona , em seu simbológico desiquilíbrio e tensão de corpos /pêndulos , diante da incerteza do que está por vir, a amarga certeza  de serem espelhos de nós mesmos.



À DERIVA , com a  INTRÉPIDA TRUPE, está em cartaz na Fundição Progresso, Lapa/RJ, de sexta a domingo, 20h. 60 minutos. Até 24 de abril.
                                  

A TROPA: UM ACERTO DE CONTAS



FOTOS/ELISA MENDES




No sentido literal, tropa seria o conjunto de soldados de qualquer corporação militar e, numa generalização, agrupamento de várias pessoas ou até de animais.

O jornalista Gustavo Pinheiro estreia seu primeiro texto  para os palcos A Tropa  (vencedor carioca do concurso de dramaturgia Seleção Brasil do CCBB),com um duplo referencial, familiar e militarista ,  na sua titulação .

Egresso das forças armadas, viúvo e  aposentado( Otávio Augusto),em hospitalização terminal, tem à sua volta os quatro filhos que ele, metaforicamente, incorpora às suas lembranças de quartel, como se fossem parte de seus anos de armas.

Autoritário, dono da verdade,  moralista , reacionário em suas posturas, imunes à passagem de tempo e costumes, julga obrigatório transferir à sua descendência filial,  seus ideais  de coronel à época de ditadura.

Mas, impulsivamente, é conduzido  ao extremado confronto comportamental com aqueles nos quais depositara seus sonhos. Chegando, inclusive,  a  tributar  os generais/presidentes,  na escolha  nominal da sua prole masculina.

Decepcionado,  questiona agora com virulência e assiste com amargura,  o futuro “inglório” que coube a cada um deles.

Humberto(Alexandre Menezes) , o primogênito, que não passa de um simplório dentista , vivendo às custas do pai. Artur(Edu Fernandes), enrolado  nas corrupções empresariais de  compasso contemporâneo . Ernesto (Rafael Morpanini), jornalista demissionário, cineasta frustrado e , desafiando o conservadorismo paterno, assumidamente gay. E João Baptista( Daniel Marano), sem profissão, drogado e habitué de clínicas psiquiátricas.

O despojamento da proposta cênica ( Bia Junqueira) prioriza um maior contato público em torno do doente, no intimismo minimalista de um quarto de hospital. Acentuado pelo sotaque clean da iluminação (Adriana Ortiz), alternada nos meios tons das passagens memorialistas e com figurinos(Ticiana Passos) adequados ao que se pretende.

A direção de Cesar Augusto atinge o clima proposto , com elegância e segurança, retratando ironizadamente  um falido discurso ideológico . Num texto com poucas modulações narrativas  mas de sólida urdidura dramática ,além do perceptível alcance de uma linguagem de exponencial  envolvência palco/plateia.

O elenco de jovens atores (Alexandre Menezes,Edu Fernandes,Rafael Morpanini,Daniel Marano) mostra seu empenho na busca sincera do equilíbrio diante da maturidade e profissionalismo de Otávio Augusto. 

Que brilha em seu personagem pelo domínio físico, esplendor vocal  e energia emocional , numa das mais cintilantes performances da temporada.

Esta singular trama  de uma   "tropa fraternal", que se rebela  em grupo e se defende em particular,  diante das ordenações hierárquicas e desmandos de  um comando patriarcal, ressalta sua oportuna atualidade na presente crise de poder e falência política.



A TROPA está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil Teatro III,Centro/RJ, de quarta a domingo,19h30m. 90 minutos. Até 01/Maio.

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