TEMPORADA TEATRAL 2018 : PRESENTES CÊNICOS EM ANO DIFÍCIL – PARTE 1


GRANDE SERTÃO : VEREDAS/ Foto by Roberto Pontes

Era quase impossível acreditar em crise diante do encantamento provocado por “Bibi, Uma Vida em Musical”, com roteiro original a quatro mãos  (Artur Xexéu/Luanna Guimarães), em carismática partitura biográfico/teatral sobre uma grande dama do palco brasileiro. Numa montagem sem restrições, alcançada pelo ideário estético direcional de Tadeu Aguiar e no retorno cúmplice da plateia. Além, é claro, de um elenco de craques, protagonizado pelo brilho de Amanda Acosta, sob prevalente e fina sintonia musical/performática.

Mas outra surpresa aguardava sua “hora e vez", roseana mas por obra e graça das invencionices de Bia Lessa,  neste “Grande Sertão : Veredas”, sensorial ou metafisico sob vestes de brava jagunçagem. Privilegiando envolvente acionamento dramático pelo ritmo coletivo de enérgica trupe de interpretes, em ambiência visual de provocação e encantamento.

Além da concepção direcional, cenográfica, indumentária de Gabriel Vilela para O Boca de Ouro, na retomada de um dos míticos personagens do inventário dramatúrgico de Nélson Rodrigues. Num mix da permissividade de seu psicologismo autoral com um prevalente sotaque de delírio teatral em alegorias carnavalescas, entre um jornal sensacionalista e uma gafieira. Conduzida em sua integralidade conceitual – estético/dramatúrgica - na habitual autoridade cênica de seu comando mor.

A dinâmica direção de Luiz Villaça no clássico teatral do século XX, A Visita da Velha Senhora, do suíço Friedrich Dürrenmatt, alcança o clima propício de risível e corrosiva absurdidade, priorizando um tratamento mais farsesco da notável fluência textual do dramaturgo, em irrepreensível representação titular de Denise Fraga.

A VISITA DA VELHA SENHORA/ Foto by Cacá Bernardes

E é neste seguimento de representação investigativa que se insere também a acertada aposta dramatúrgica/musical de Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche, em descortinadora visão concepcional/diretorial de Guilherme Leme Garcia, para um Romeu e Julieta em compasso carioca. 

Que não inviabilizou o discurso shakespeariano ao adotar uma trilha com o repertório das composiçoes de Marisa Monte e seus parceiros, mantido no seu contexto original, tanto nas harmonias como no suporte lírico das canções, em alterativa identidade com o desenvolvimento narrativo - teatral.

A autora e diretora Ana Rosa Tezza titula como Nuon a montagem idealizada para a Cia teatral curitibana Ave Lola, inspirando-se na trajetória e nos relatos de uma sobrevivente do trágico expurgo do ex-reino do Camboja - a ativista Phaly Nuon. Uma temática ainda de extrema atualidade no seu referencial de contestação crítico/política às guerras ideológicas da contemporaneidade. 

Sem uma narrativa linear, a peça é ritualizada como um cerimonial sagrado de culto aos antepassados reunindo poesia e caos, em sequenciais  estados de pânico psicofísico e paralelos deslumbramentos estéticos, sob um inusitado domínio conceptivo, interpretativo e diretorial.

No irônico contraponto de “desordenamentos” da progressão determinista de “A Ordem Natural das Coisas” há nuances filosóficas existencialistas em passagens monologais de enfoque reflexivo, com sutil substrato subjetivista nos confrontos comportamentais e no acionamento expositivo dos três personagens. 

Onde a funcional textualidade de Leonardo Netto, vai do coloquialismo dialetal e sotaque humorado da ação cênica às tessituras discursivas dos solilóquios, em interregnos filosóficos/estetizantes. Qualificação autoral que se estende à apuração potencializada do seu direcionamento aprofundando, sobremaneira, a força de um valoroso exemplar da nova dramaturgia carioca.

                                         Wagner Corrêa de Araújo

A ORDEM NATURAL DAS COISAS / Foto by Dalton Valério

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