PILOBOLUS: TEATRO COREOGRÁFICO DE SOMBRAS


Desde seu surgimento, no inicio dos anos 70, o Pilobolus vem buscando uma linguagem alternativa na sua criação coreográfica já, a partir desta época, pensada como um complexo teatro de dança.

Tendência que tem sido constante em suas últimas obras onde, no experimento do cruzar diversificadas linguagens artísticas e tecnológicas, faz com que estas priorizem o espetáculo puramente visual em detrimento  de uma estética de exclusividade da dança.

Perceptível,especialmente, na sua concepção de Shadowland ,em 2009, e continuada, agora, como Shadowland 2:A Nova Aventura. Embora conte, sempre,  com um elenco de excepcionais bailarinos das mais diversas formações, do clássico ao contemporâneo, passando pelas danças urbanas . Sob a dúplice direção e coreografia de Renée Jaworski e Matt Kent, roteiro do escritor Steven Banks e trilha sonora autoral de David Poe.

Usando e abusando de efeitos cênicos luminares, próprios tanto dos palcos como do cinema, entre o teatro de sombras e o cinema de animação, seu projeto cria, enfim, um mix de ilusionismo circense/acrobático, com uma visualidade plástica escultórica em perpetual motion de paisagens, objetos  e corpos humanos.

Onde deixa de lado o abstracionismo temático em favor de uma narrativa sequencial sobre a trajetória de sonho de uma menina, com direito a recortes familiares, descobertas amorosas, conflitos psicológicos e desafios de ilusões e medos.

Num quase referencial que pode ser tanto o da Clara do Quebra Nozes como a da Alice do Lewis Carroll,  mas num conceitual adolescente de personagens  freaks ou comics de quadrinhos e  séries televisivas.


Incluindo animais domésticos, monstros mitológicos e retratos naturais , fantasiosos ou turísticos, em quadros de silhuetas/sombras, formatadas através de movimentos de metamorfose da fisicalidade dos bailarinos sugestionando, mecanicamente, estas cinéticas figurações.

Variando entre a visível troca lateral  de figurinos e de adereços cênicos e suas entradas centralizadas por trás da transparência de telões, com recursos de projeção ampliadores de suas imagens.

Por um lado, a performance deixa, no ar,  uma certa frustração com as episódicas atuações dos bailarinos, fora dos perímetros das telas, e potencializa  uma falsa expectativa do público por um espetáculo coreográfico de uma celebrada cia. de dança.

Mas se o  olhar for  menos condicionado e , sim, armado na necessária busca pela integração das diversidades do ofício criador, Shadowland não deixa de ser uma fascinante aventura.

Ao surpreender  ,enfim,  em sua múltipla pulsão artística /tecnológica, como uma original  releitura contemporânea da ancestralidade milenar do teatro de sombras.

                                           Wagner Corrêa de Araújo



PILOBOLUS-SHADOWLAND está em cartaz no Teatro Municipal/RJ, sexta e sábado, às 20h; domingo, às 17h. 90 minutos. Seguindo para São Paulo, no Teatro Bradesco, dias 30 e 31 de maio.


ADEUS , PALHAÇOS MORTOS: TEATRO CINÉTICO E METAFÍSICO


FOTOS/VICTOR  IEMINI

Para o romeno Matéi Visniec  a simbologia surrealista, o imaginário dos sonhos e a estética do absurdo agiam como “efeitos libertadores” , enquanto viveu sob as rédeas oficialistas do realismo  socialista.  

E foi a partir  do seu asilo francês em 1987, às vésperas da queda do bloco soviético, que acabou, pelo livre exercício criador,  se tornando um dos mais lídimos continuadores da escola dramatúrgica  de  Ionesco, Beckett, Genet, Pinter e Albee.

Mas esta sua herança está transubstanciada também no  sotaque tchecoviano / kafkiano de  seus escritos literários  com seu conceitual filosófico/político das absurdidades da condição humana. Não é por acaso que ele afirmou: “os personagens de Tchékhov são vagabundos metafísicos que anunciaram a literatura do futuro, são os ancestrais de Vladimir e Estragon de Beckett”.

Este referencial conduz à sua peça , estreada em  1992, “Petit Boulot Pour Vieux Clown”. Onde três velhos e decadentes palhaços se encontram em uma entrevista  de emprego,  num lugar nenhum que não leva a qualquer parte mas a uma espera infinita, como a do enigmático Godot de Beckett.

Na releitura desta textualidade dramatúrgica pelo diretor José Roberto Jardim , sob a titulação de Adeus, Palhaços Mortos,  há o transcendente significado da  presença de um elenco , de origem teatral/circense, da Cia Academia de Palhaços.

E é , no entremeio de um clima verista/burlesco  de desalento, com a recente, realística e total perda, em incêndio, do seu espaço ambulante de ofício performático, que os atores Laíza Dantas, Paula Hemsi e Rodrigo Pocidônio desafiam , numa proposta minimalista, a sensação de desconforto profissional pela retomada do ato criador.

Enquanto irrepreensíveis atores e convictos personagens, em fantasiosos figurinos (Lino Villaventura),com  lembranças do convívio passado alternadas  por  embates de rejeição e  competência, disputam a prevalência de ser um deles o  escolhido, num status de ameaça,  impotência e desespero.

A proposta cenográfica (BijaRi), com seu apelo cinético de delírio visual, numa mágica caixa preta e na explosão feérica de luzes( Paula Hemsi/José Roberto Jardim), radicaliza-se nos  seus sensoriais experimentos sonoro/musicais(Tiago de Mello).

Numa concepção provocadora pela abertura de seu comando diretorial (José Roberto Jardim),de inventividade direta e seca, a um teatro de contestação. Capaz, assim, de se arriscar, com folego gestual e densidade psicológica, num espetáculo tenso mas revelador.

Desfigurando a formatação convencional, pontuado no desnudamento da ação em inação, de metafórica verbalidade, deixando perguntas sem respostas , mas refletindo, visceralmente, sobre o imponderável da aventura humana.

                                                 Wagner Corrêa de Araújo


ADEUS, PALHAÇOS MORTOS está em cartaz no Espaço Sesc/Copacabana, de quinta a sábado, 21h; domingo, às 20h. 70 minutos. Até 28 de maio.

                                   

ELA : DOLOROSA INCURSÃO PELO FEMININO


FOTOS/ELISA MENDES

Quando Marguerite Duras escreveu seu roteiro ficcional para o filme de 1961, Ano Passado em  Marienbad , de Alain Resnais, ela usou a junção inusitada dos recursos do flashback e do flashforward  , para exprimir o espaço e o tempo, o presente e o passado, o sonho e a realidade.

Um referencial perceptível numa das mais incisivas textualidades dramatúrgicas de Marcia Zanelatto – ELA. Que impulsiona, além de suas outras habituais incursões teatralizadas por personagens mulheres  da música, da poesia e da filosofia, a sua fiel retomada da representação do feminino, no ângulo LGBTQ da identidade pela diversidade sexual.

Aqui, também,  faz-se presente a convivência de uma  narrativa memorial de fluxo compartimentado, através das impressões veristas causadas  entre o imaginário e o agora. Resultante da dolorosa descoberta de uma doença terminal – a Esclerose Lateral Amiotrófica - que, por sua vez, remete, com suas primeiras letras, à titulação da peça.

Potencializada pelo fissuramento contrastante  da  caracterização do mal físico  e da energia gestual no papel de Clara ( Elisabeth Monteiro), uma coreógrafa que mantém um relacionamento homoafetivo com sua aluna, a bailarina Isabel ( Carolina Pismel).

Incluindo-se, aí, a intervenção da médica Paula( (Patrícia Elizardo)na sua difícil revelação da incúria de um  malefício mortal  (Ela), capaz, assim, de ir privando , aos poucos, todas as faculdades motoras e sensoriais de uma mentora da fisicalidade artística.

E precipitada, no exemplar dimensionamento psicológico do desempenho de Elisabeth Monteiro, sobremaneira, no  frio auto-consolo de sua personificação de corte laminar. Num entremeio de provocados  rancores  e falseados questionamentos  , para preservar a amante  do cruel destino finalizador de um convívio passional.

Fazendo com que  Isabel  , em momento básico do alterativo sequencial dramático, como a  pupila artística e a consorte amorosa, desafie as forças celestiais, em tom confessional de entrega à rebeldia  , na emotiva interpretação  de Carolina Pismel.

A dramaturgia de Marcia Zanelatto desenvolve sobremaneira esta  nuance subterrânea da trama , entre interiorizações monologais e diálogos que alcançam a cumplicidade da plateia pelo seu tom de poético coloquialismo e verdade reflexiva.

Neste contraponto das adequações da gestualidade(Lavinia Bizzoto), quase teatro/dança às incidências sonoro/musicais(Marcello H), estas marcas funcionais são extensivas à indumentária (Flavio Souza) ,  aos tons introspectivos das luzes (Fernanda /Tiago Mantovani) e , especialmente, ao delírio plástico/visual da concepção cenográfica( Mina Quental /Atelier da Glória).

Onde paira a sensitiva direção de Paulo Verlings que, com  olhar armado na inventividade, explora uma gramática cênica de domínio convicto da   composição dramática.

E que, sabendo conjugar o vigor do texto com a  organicidade da performance, possibilita, enfim, esta  surpresa estético/teatral  da temporada.

                                             Wagner Corrêa de Araújo


ELA está em cartaz no Teatro III do CCBB, Centro/RJ, de quarta a domingo, às 19h30m. 60 minutos. Até 28 de maio.
NOVA TEMPORADA: No Teatro Sesi,Centro/RJ, segundas e terças, às 19h30m. 60 minutos. Até 29 de agosto.

BLUES: ENÉRGICA MELANCOLIA EM TEMPO COREOGRÁFICO


FOTOS/BRUNO VEIGA

Se existe algum referencial na titulação da última criação da Renato Vieira Cia de Dança com o filme Bonjour Tristesse(Otto Preminger/1958) é exatamente na melancolia de sua personagem protagonista(na inesquecível performance de Jean Seberg).

Outra inspiração, esta mais incisiva e direta , para sua tematização coreográfica parte do conhecido  poema “Cem Pessoas” de Wislawa Szymborska, prêmio Nobel de Literatura 1996, emblemática e irônica reflexão filosófica/estatística sobre o vazio afetivo nos relacionamentos humanos .

Tudo se completando numa seguida nominação - Blue,Bonjour Tristesse  -  com o melancólico acento musical deste gênero jazzístico. Aqui reinventado numa das mais precisas trilhas  de Felipe Storino, de acento autoral ímpar na prevalência dos  seus acordes percussivos, com citação de  duas interferências vocais de Nina Simone (Sinner Man e Strange Fruit).

Onde a minimalista concepção cenográfica, entre a constância de um belo desenho entre sombras e luzes de Binho Schaeafer, é perceptível ainda  nos tons escuros dos figurinos ( Bruno Cezário) convivendo com episódicas entradas de corpos desnudos.

A composição formal da Cia. é potencializada, também, na inclusiva participação de bailarinos de outros grupos dando–lhes abertura para um processo dinamizador  de improvisação técnica/emotiva sob as linhas condutoras da sempre  funcional parceria coreográfica  Bruno Cezario / Renato Vieira.

Numa conjugação estilística de identificação das notórias experiências de Renato Vieira com o teatro musical e as atuações frequentes de Bruno Cezario em diversas tessituras da contemporaneidade.

Desta vez priorizando o elemento masculino num trabalho de sustentação estética colaborativa  de oito integrantes ( Dinis Zanotto, Elton Sacramento,Felipe Padilha, Flávio Arco-Verde, Jeferson Lengruber, Marlon Ailton, Tiago Oliveira, Wallace Guimarães), em solos, duos, trios e conjuntos,evitando sempre o virtuosismo meramente competitivo.

Mesmo que, às vezes se percebam pequenas quedas na progressão rítmica da encenação, causadas talvez pelo confronto de posturas individualizadas em atuações externas anteriores e não bem amarradas ainda para tão recente conjunção.

Entre o seu livre funcionamento criador e as exigentes pulsões de fisicalidade e de emoção, para uma montagem de necessária especificidade na gramática cênica: visualizando o apelo reflexivo ao fazer dançar a escuta sonoro/musical da palavra poética.

Ao permitir esta vertente como obra aberta o comando diretorial ( Renato Vieira) e artístico(na dúplice realização, com Bruno Cezario), desafia os possíveis riscos com senso crítico e energia artesanal.

Neste seu outro investimento artístico no conceitual literário/coreográfico, contraponto estético sempre relevado com a Renato Vieira  Cia de Dança, pelo descortino  de novas linguagens para a dança contemporânea brasileira . 

                                                Wagner Corrêa de Araújo


BLUE - BONJOUR TRISTESSE, com a Renato Vieira Cia de Dança, está em cartaz no Teatro Ginástico/Centro do Rio, de quinta a sábado, às 19h;domingo às 18 . 60 minutos.Seguindo-se em temporada pelo Circuito Sesc de Teatros/RJ, até o dia 10 de junho.

O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? : TEATRO FÍLMICO EM CLIMA CREPUSCULAR


FOTOS/LÉO LADEIRA

Entre a idealização e a verdade, a divinização e a realidade, as estrelas sobrevivem do sucesso enquanto resistentes à efemeridade que traz , antes do acesso à glória do repouso na maturidade, a queda e a decadência.

Resultado de um novo tempo em que os cartazes de cinema começam a destacar o diretor em detrimento do absolutista star system , o filme de Robert Aldrich – O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, de 1962, faz contracenar, numa única vez e já em final de carreira, a rivalidade potencialmente memorável das estelares Bette Davis e Joan Crawford.

Explorando, em tempo de thriller psicológico com sotaque “Grand Guignol”, os ressentimentos, inveja e maledicências de duas irmãs, estendendo à velhice sua antiga concorrência, como atrizes,  à celebridade. Enquanto estão esquecidas e aprisionadas a um melancólico casarão, entre  sombras , terrores e lembranças fantasmagóricas.

A partir do roteiro ficcional de Henry Farrell, O Que Terá Acontecido a Baby Jane?tem sua primeira e inédita versão teatralizada, em realização conjunta da dupla Charles Möeller /Claudio Botelho, com segura direção do primeiro e primorosa tradução/adaptação do outro.

E tendo no elenco o compartilhamento do protagonismo mor entre dois baluartes de resplandescente maturidade no teatro brasileiro – Eva Wilma como Jane e Nathalia Timberg como Blanche.

Acompanhadas no revezamento da performance  por Paulo Goulart Filho(com tríplice personificação),além de Teca Pereira(a empregada), Nedira Campos( a vizinha) mais, alternando nos papéis infanto/juvenis, Sophia Valverde / Duda Matte e Juliana Rolim/ Karen Junqueira. Correspondendo todos em organicidade, na dependência de  maior ou menor incidência na trama dramatúrgica, às exigências e adequação de seus personagens.

Causando um certo incômodo o expansivo desenho cenográfico (Rogério Falcão), de rigorismo referencial  realista , ser quebrado pela falta de maior confinamento isolacionista  do quarto de Blanche com sua cadeira de paralítica , sendo  apenas sugestionado como um andar acima.

Onde a acertada nuance de nostálgica elegância dos figurinos (Carol Lobato) e os acordes de romantismo  e tensão do score musical  são acentuados pelas modulações luminares de Paulo Cesar Medeiros.

Diante do desafio da difícil transposição aos limites cênicos de clássicos efeitos cinematográficos de fantasia, medo,  claustrofobia e psicose, o comando diretor de Charles Möeller revela fôlego , coragem e consistência.

Sintonizada com a vigorosa e cativante interpretação artística de dúplice prevalência entre o patético e o grotesco, o  risível e o trágico, na  personificação representativa do imaginário feminino e humano em Blanche e em Jane.

E dimensionada psicologicamente ora no confronto da verdade interior e da rebeldia, frente ao desprezo e à submissão, no papel de Nathalia Timberg, ora diante da densidade melodramática de frieza , impiedade e alienação do personagem de Eva Wilma.

                                                Wagner Corrêa de Araújo



O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? está em cartaz no Teatro Net/Rio, quinta e domingo, às 18h; sexta e sábado, às 21h. 70 minutos. Até 25 de Junho.

JOSEPHINE BAKER : UM SINGULAR BIODRAMA MUSICAL


FOTOS/LU VALIATTI
Situado entre o teatro documentário, extensamente desenvolvido a partir de  E.Piscator, e o teatro autobiográfico no  espelhamento da persona do ator ou do dramaturgo, desenvolve-se na primeira década deste século o que se chamou de biodrama.

Teorizado pelo argentino Oscar Cornago, ele impulsiona, através dos relatos biográficos reais, de gente famosa ou não, transmutados no palco , na representação entre a verdade e o ficcional, “as distintas possibilidades de citar a realidade, para abrir espaço a isso que chamamos vida”.

Quando o dramaturgo Walter Daguerre incursiona pela trajetória existencial/artística de uma americana naturalizada francesa desnudando seus feitos como dançarina, performer, cantora, atriz ,humorista, ativista nas causas políticas e raciais, ele confere à sua proposta cênica “Josephine Baker – A Vênus Negra” um viés diferencial na sua abordagem e tematização.

Embora não consiga fugir do sequencial cronológico/biográfico, acaba permitindo um encontro mais intimista e de identificação psicológico/afetiva entre a atriz protagonista titular ( Aline Deluna) com cada espectador.

O que faz resultar, pela estetização teatral de Otávio Muller, no estabelecimento de um corpo a corpo plateia/palco, em encontro informal atriz/público, quebrando a quarta parede . Fissurando ,assim, o distanciamento cênico entre observador-observado,da fala  inicial ao epílogo quando, convocados,  juntam-se os dois lados, ritualmente, à performance .

Para isto concorrem as mudanças de figurino em cena e as paredes nuas da construção ambiental (em realização dúplice de Marcelo Marques) ,paralela ao desenho de luzes (Paulo Cesar Medeiros) propiciais ora ao  recato climático,ora ao sugestionamento feérico de um show.

Além da sensação de entrega a um comportamental despretensioso, artesanalmente presente nas interferências do apurado  trio musical (Dany Roland,Christiano Sauer e Jonathan Ferr )no ato da representação.

Onde a grande surpresa é a similaridade física , gestual/coreográfica ( sob o olhar inventivo de Marina Salomon) e indumentária com a “Vênus Negra”, valorando uma conferida comparativa na pequena mas esclarecedora exposição(filmes, livros,fotos do precioso acervo de Evânio Alves), no foyer do teatro.

O comando diretorial de Otávio Muller no seu seguro  domínio  da organicidade de um jogo, entre o teatro e a vida, incentiva o potencial instintivo de Aline Deluna como uma predestinada estrela do teatro musical.

Adequada, irrepreensivelmente, ao personagem, na convicta atuação como atriz/cantora/dançarina , conquistando, assim, a adesão e a cumplicidade da plateia. 

Que ao testemunhar as  nuances de exotismo, sexualidade, comicidade e “selvagerias” de uma desafiadora do preconceito e da opressão do feminino, acaba reflexionando, numa pulsão coletiva de biodrama verista e poético, pela libertária identificação conceitual do outro(a personagem ) com a subjetividade dos olhares a ela direcionados.

                                             Wagner Corrêa de Araújo


JOSEPHINE BAKER,A VÊNUS NEGRA está em cartaz no Teatro Maison de France,Centro/RJ, quinta a sábado, às 20h;domingo às 19h. 80 minutos. Até 28 de maio.

UM AMOR DE VINIL:NOSTALGIA E PAIXÃO EM COMPASSO DISCOGRÁFICO


FOTOS/PEDRO MURAD

Saudosismo, nostalgia, paixão marcam a simbologia mítica e , por que não, também a resistência fetichista dos que nunca abandonaram o formato LP, o velho bolachão, em detrimento do CD,  seu diminuto substitutivo. 

Com os seus lados A e B, transubstanciados no ritualismo  de sua  manipulação manual e na tecnologia de seu quase imperceptível, mas charmoso,chiado da agulha na eletricidade estática (dizem até de superior fidelidade em reprodução musical). Isto sem esquecer suas capas e encartes fazendo história, gráfica/documental,  em textualidades e fotos  pulsando museológicos autógrafos .

Relegados pelas novas tecnologias aos sebos e às estantes dos colecionadores, eles titulam uma singularizada incursão temática do musical brasileiro, na dramaturgia de Flávio Marinho e na direção de André Paes Leme,  Um Amor de Vinil.

No seu sotaque de comédia romântica, a trama dramatúrgica parte dos encontros entre Amanda (Françoise Forton), em sua loja de discos  de vinil, com o cliente Maurício(Maurício Baduh). Este, colecionista  convicto, sempre na busca de raridades da canção popular brasileira e que descobre, ali, em registros no velho formato discográfico.

E são, entre  estas idas e vindas ,nos encontros de Maurício com Amanda que a paixão por elepês vai se confundindo com demonstrações  de progressivo afeto a  declarações de amor. Impulsionando sensorialmente,em hora e meia, a performance cênico/vocal de dúplice protagonismo , entre solos e duos musicais, a partir de uma nostálgica incursão a 21 hits memorialísticos da MPB.

Valorando-se na participação,com uma mesma intensidade na  entrega, de outra dupla respeitável ,os instrumentistas  Gustavo Salgado( teclado) e Marco Gérard( violão), este último dublê de ator em episódicas mas reveladoras intervenções , como uma terceira voz na desenvoltura da trama. Num repertório sob o comando musical, sempre acurado, de Liliane Secco.

A propriedade da indumentária (Ticiana Passos) dia-a-dia convive bem com a sugestão cenográfica( Carlos Alberto Nunes) de um espaço comercial/bistrô sob luz ambiental (Paulo Denizot). Onde o publico viaja no tempo, no atravessamento visual/sonoro de capas de discos com lembranças intimistas e com o desejo cúmplice de afinar-se aos acordes musicais do elenco.

Com seu timbre vocal de seguro alcance, Mauríco Baduh é o par ideal para a tessitura de Françoise Forton ,esta mais comedida mas de perceptível envolvência emotiva para falar bem de perto aos ouvidos , corações e mentes de cada espectador, ampliado no seu sensível e simpático gestualismo, entre canto e teatro, imprimido por Marina Salomon.

Despretensiosa, mas elegante, é assim a  funcional sutileza estética  que a direção de André Paes Leme confere ao espetáculo,  favorecendo o clima da representação, ao qual nunca falta o entretenimento lúdico aliado a uma nuance reflexiva.

Capaz, portanto, de sintonizar , com bons ares e  humores, sentimentos amorosos com sensações de solidão e perda (tema recorrente na ligação intrínseca da textualidade dramatúrgica e das letras de um cancioneiro romantizado).

Um Amor de Vinil é montagem que vale a pena ser constatada, pois,afinal, na sua aparente simplicidade, não deixa, também, de representar a busca de outros novos caminhos para o musical brasileiro.

                                               Wagner Corrêa de Araújo


UM AMOR DE VINIL está em cartaz no Teatro do Leblon, sexta e sábado,às 21h;domingo, às 18h. 80 minutos. Até 28 de maio.

FRIDA , A DEUSA TEJUANA : KAHLO PARA SEMPRE FRIDA


FOTOS/RENATO MANGOLIN

A trágica trajetória existencial da pintora mexicana Frida Kahlo teve seu contraponto na carismática obra, mix da tradição popular indigenista com o impulso de uma linguagem de plena modernidade.

Retrato sem retoques de uma era artística e histórica de força contundente, nela estão refletidas marcas decisivas de atitudes políticas revolucionárias ao lado de seu consorte, o muralista Diego De Rivera, além das posições desafiadoras de liberdade moral, comportamental e emancipadora do vir a ser feminino.

Seus males físicos, causados por uma sequência de doenças e acidentes que a deixaram viver presa a espartilhos, cadeira de rodas e a maior parte de seu tempo relegada a um leito quase hospitalar, levaram- na a um permanente e sofrido grito parado no ar: “Meu corpo carrega em si todas as dores do mundo”.






No minimalismo da concepção cênica de “Frida, a Deusa Tehuana”, o diretor Luiz Antônio Rocha, inspirado nos escritos e diários da pintora, faz parceria autoral com a atriz/protagonista Rose Germano, armando os olhos da plateia para um mágico mergulho nos plásticos espaços mentais de uma artista-mor e livre pensadora.

Com entrega absoluta da intérprete, em intimista nuance expressiva e apurado gestual (Norberto Presta), destacam-se, ainda, a singularidade da ambientação cênica (Eduardo Albini) com a adequada iluminação (Aurélio de Simoni) e o climático score musical ao vivo, com os solos do violonista Eduardo Torres.

Neste emotivo duelo em torno de uma arena existencial, conjugal e artística, ocorrem passagens e recortes propiciados pelo próprio enredo dramatúrgico, de maior domínio ora de um ora de outro momento do personagem.

A força incisiva do enfoque psicológico/introspectivo desta “Frida” (“Sou o assunto que conheço melhor”), tem uma abrangente exteriorização narrativa em seu universo biográfico (“Não pinto sonhos, pinto a minha realidade”).

Para os que aceitarem o convite para esta viagem teatral, fica o aprendizado da dor física e moral transmutada em amor e arte e a lírica saída poética de Frida em sua ilimitada beira do abismo: “Pés para que os quero, se tenho asas para voar”.

                                           Wagner Corrêa de Araújo



FRIDA KAHLO, A DEUSA TEJUANA em nova temporada no Centro Cultural Parque das Ruínas/Santa Tereza/RJ, sábados às 19h30m;domingos , às 19h. 60 minutos. Até 28 de maio.

O MISANTROPO: SOB INCISIVO OLHAR CONTEMPORÂNEO


FOTOS/SÍLVIA DOS SANTOS

Apesar de nunca ter tido uma montagem profissional nos palcos brasileiros - O Misantropo - uma das mais viscerais comédias de Molière, com sua rigorosa postura crítica em torno dos mecanismos sociais e  dos códigos comportamentais, é um retrato oportuno e necessário aos tempos que vivemos.

A atualidade de suas falácias torna-se assim perceptível, mesmo na prevalência quase integral de sua métrica alexandrina original , em rigorosa mas acessível tradução do ator Washington Luiz Gonzales, também protagonista titular desta montagem.

Que alcança, também, acurada sensibilidade diretorial de Márcio Aurélio, não por um fortuito acaso, mas por sua  expertise na obra do dramaturgo/comediógrafo francês do século XVII.

E que se diferencia de boa parte das versões de nossos dias, com suas habituais incursões num humor próximo à chanchada, ao deboche popularesco , ao riso imediatista  e superficial dos programas televisivos e das redes virtuais.

Ousando inventivamente sim , sem nunca perder o ritmo e o alcance das plateias contemporâneas, mesmo na utilização de uma narrativa versificada, mas sempre imune a qualquer apelo à mera facilitação comercial/cotidiana de um clássico formato temático/dialogal.

Desde a entrada no espaço arena, o espectador é surpreendido, ora pela escuta de acordes sambistas ora pela  despojada visualização cênica, onde os únicos elementos materiais presentes são cadeiras de acrílico transparente(concepção do diretor, dublê em cenografia, iluminação e sonoplastia, Márcio Aurélio).

E mais impactado ainda quando, pelas laterais, entram os atores em indumentária(outra vez Márcio Aurélio ,com o suporte criador de André Liber Mundi), entre o formal e o carnavalesco, o tropicalista e o acadêmico , extensivo a um gestualismo (Marize Piva), ora galante ora atrevido.

Onde sobressai um elenco afinado no dimensionamento psicológico de seus personagens: na prepotência insegura de Alceste(Washington Luiz Gonzales),no espontâneo disfarce do cinismo em Célimène( Paula Burlamaque), no sarcástico despudor de Aricene(Regina França) e no burlesco academicismo de Oronte(Joca Andreazza).

Extensivo, em maior ou menor identidade  intervencionista, mas sempre de grande sinceridade e consistência, nas marcações das outras performances (Alexandre Bacci, Eduardo Reyes e Renata Maia).

Neste feroz e perigoso jogo de aparências, hipocrisia,  vaidade, cinismo e maledicência, ecoa este Misantropo na sua teatralização de convicta e sólida autoridade cênica e crítica.

Capaz, enfim, em seu teor atemporal ,de aproximar a incisiva caricatura dramatúrgico/social de Molière da reflexão filosófica  de  Bergson sobre o grotesco riso que habita a própria condição humana.

                                         Wagner Corrêa de Araújo



O Misantropo está em cartaz no Sesc/Arena/Copacabana, quinta a sábado, às 20h30m;domingo às 19h. 90 minutos. Até 7 de maio.

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