O CONDOMÍNIO : DA PRÁTICA MUSICAL ENTRE MUROS, SOB LATIDOS, QUEIXAS E CRIMES


FOTOS /ELISA MENDES

Se a música ( como a dança ) é intrinsecamente, desde sua ancestralidade, manifestação do coletivismo social  catártico, no pensar filosófico/estético de Theodor Adorno, como vivenciá-la diante da restrita realidade espacial dos condomínios  residenciais ?

Como ser músico, compositor ou intérprete, com seu necessário oficio da prática  diária se as paredes não impedem a incômoda interferência de sonoridades externas? Dos altos falares dos vizinhos a ruidosas sexualidades noturnas, sem falar dos insistentes latidos animais, sem previsão de hora para começar e para acabar.

Um tema recorrente da atual dramaturgia carioca, com exemplares investidas da Cia.OmondÉ –Inadequados – e do Clube da Cena com A Vida ao Lado, e, desta vez, em clima cômico/policialesco com sotaque kafkiano de humor negro e absurdidade, na trama - O Condomínio.

Uma peça autoral de Pedro Brício em que ele compartilha a direção com Alcemar Vieira, este último por sua vez, alternando a performance, no papel do músico Domenico, com Pedroca Monteiro. Tendo ao lado Sávio Moll como o empresário e produtor Raymond e, também, revezando em outras personificações incidentais.

Se em outras abordagens prevaleciam os conflitos da incomunicabilidade entre os moradores de um prédio, aqui há uma identificação maior com o cotidiano individualizado de um instrumentista, cantor e compositor.  Obrigado a conviver com os outros inquilinos numa politica de falseada boa vizinhança, embora em assumido isolamento, preferisse alhear-se da forçada  vida condominial.

A progressão narrativa, entre canções entoadas ao vivo para voz e violão na privacidade domiciliar de Domenico, são sempre perturbadas pelos irritantes uivos do cachorro de sua vizinha Carmen. E acaba, depois de muitos nervosos reclames, por desencadear uma investigação policial, com suspeita de duplo assassinato, contra o músico.  

Enquanto o quadro cenográfico (Tuca Benvenutti e Murilo Barbieri), abusando das nuances do avermelhado extensíveis à indumentária (Antonio Medeiros) em tons cafonas amplia, ao mesmo tempo, a exacerbação de sentimentalismo novelesco, climatizado ainda nos efeitos luminares (Ana Luzia de Simoni).

E sintonizado, ainda, no deboche coreográfico (Soraya Bastos) da dupla sob acordes de nostálgicos ritmos latinos, alterativo com ironizado cancioneiro ao vivo de brasilidade bossanovista mas quase brega, com trilha certeira (Jonas Sá/Gustavo Benjão) para sublinhar o clima burlesco do enrêdo.

Um Sávio Moll, mais sensorial, e um Pedroca Monteiro, mais atrevido, mas ambos em idêntico grau coesivo, reafirmam sua competência artesanal para assumir os desafios e os exageros de personagens rompantes, traçados com garra e ousadia.

Enquanto o comando diretor de Pedro Brício, avançando no dimensionamento de uma despretensiosa comédia autoral, entre o absurdo e o kitsch, e adentrando nos mecanismos risíveis das situações farsescas, alcança o necessário contraponto critico.

Da intolerância de um microcosmo condominial para a especular insensatez, com obscuras perspectivas, deste nosso pré-eleitoral macrocosmo político.

                                                Wagner Corrêa de Araújo


O Condomínio está em cartaz no Sesc Copacabana, de quinta a sábado, às 21h;domingo às 20h. 70 minutos. Até 30 de setembro.

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