ANTÍGONA : NA TRÁGICA TRILHA DE UMA SAGA FAMILIAR


FOTOS/GUGA MELGAR


É através da Trilogia Tebana, na potencial simbologia da teatralização do adverso destino da família tebana do Rei Édipo, que irá surgir um dos personagens femininos mais mitificados da cultura ocidental - Antígona.

Fruto geracional da tragicidade incestuosa do casal Édipo /Jocasta, ela desafia, pelo primado do afeto fraternal e da consciência  livre, a arbitrariedade do poder governamental investido na chancela divinal do Olimpo.

Na sua recusa de deixar insepulto o corpo do irmão Polinices, morto como o irmão Etéocles, no conflito entre ambos pela sucessão na Casa Real tebana, Antígona se contrapõe à proibição vingativa do tio Creonte( irmão de Jocasta).

Que  ao assumir, na vacância do trono, perdoara Etéocles dando-lhe uma tumba por simpatia à sua causa, mas quis fazer do cadáver de  Polinices  alimento de abutres.

Numa transcendental afirmação do feminino, é Antígona que, assim, nesta sua corajosa postura antipatriarcal , denuncia a onipotência do autoritarismo estatal em detrimento das leis da consciência individual.

Esta quebra da lei positiva propugna  a potencialidade do direito natural e faz a transmigração da dependência de origem deísta à libertação política e moral da civilização.

Ao imprimir uma nuance estética de contemporaneidade ao clássico de Sófocles, a concepção dramatúrgica a quatro mãos ( Andrea Beltrão/Amir Haddad) nada mais é do que a transubstanciação da autenticidade e da permanência universal dos valores de Antígona .

A concentração de um gestual (Marina Salomon) de fisicalidade emotiva e vocalização imanente, entre o naturalismo dialogal e passagens cênicas de expansividade quase grandiloquente, aproximam a performance de Andrea Beltrão do público.

Que, assim,  compartilha de seu didatismo lúdico ao explicar o significado de cada nome grego( familial ou mitológico) inscrito num mural cenográfico,  em incisiva entrega à representatividade de seu ofício.

Ora numa dialetação diarista ora na envolvência laminar com teatralizações da Trilogia Tebana, no sustentáculo de  ocasionais variações de um descontraído figurino(Antônio Medeiros/Guilherme Kato), das raras incidências sonoras(Alessandro Persan) e luzes vazadas mas de apelo climático (Aurélio de Simoni) .

A simplicidade eficaz da proposta cênica de Amir Haddad se de um lado, tributa a ancestralidade das narrativas orais , por outro reafirma, enfim,  no seu referencial de historicidade grega e de dimensionamento psicológico cotidiano , o reflexivo  louvor de Sófocles à humanidade :

Muitos milagres há mas o mais prodigioso é o homem”.


                                                     Wagner Corrêa de Araujo


ANTÍGONA está em cartaz no Teatro Poerinha/Botafogo, de quinta a sábado, às 21hs;domingo às 19h. 60 minutos. Até 19 de fevereiro.

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