60 ! DÉCADA DE ARROMBA: DOC. MUSICAL “EM DIAS DOURADOS E NOITES DE CHUMBO"


FOTOS/DANIEL SEABRA

Anos de contrastes sociais, políticos,morais e culturais - assim foi a emblemática trajetória da década de 60.

Que viu surgirem tendências emancipatórias de todos os níveis, desde as manifestações da esquerda às  ondas estudantis, dos pensamentos pacifistas aos avanços do feminismo e à inicialização efetiva  do gay power, da contracultura às explosões das vanguardas, das viagens pelo cosmos e pelos espaços siderais da mente.

Contraditoriamente, regrediu no acirramento da guerra fria , com a divisão do mundo metaforizada no Muro de Berlim, nos sequenciais golpes militares latino americanos,no fortalecimento dos reacionarismos direitistas e no crescimento dos conservadorismos evangélicos.

Mas alcançando outras compensações, na moda alternativa e unissex, na liberação do comportamento sexual e do pensamento crítico, equalizou, unificou, impulsionou marginalidades inventivas.

E entre o “faça amor, não faça a guerra”, sonhos lisérgicos e descompromissos geracionais hippies, acabou disseminando explosivos resultados na criação artística e na expressão literária. À estética  informal conscientizada da Nouvelle Vague responderam os ecos ideológicos nativos do Cinema Novo.

Saindo de Woodstock , com  revoluções por minuto, se fez  um rock mais energizante, postural e contestador – Marley/Hendrix/Joplin, poetizado –Dylan/Morrison ou  de acordes beatlemaníacos refinados.

E aí , na trilha da hora e vez pátria, na sofisticação do samba bossa novista, no aquarelismo tropicalista do proibindo proibir  e no descompromisso lúdico do udigrudi roqueiro Jovem Guarda, chega o musical 60!Década de Arromba.

Que, no ofício autoral dúplice – Marcos Nauer(texto)Frederico Reder(direção), inventaria musicalmente, com autoridade cênica,uma era dourada entre estilhaços de chumbo. Com verdade qualitativa na escolha e na exploração potencial dos elementos técnicos e artísticos. 

De acerto nos aportes cenográficos retrôs/pectivos (Natália Lana) e na competência artesanal dos efeitos luminares(Daniela Sanchez) e videográficos(Thiago Stauffer).E, ainda, no esteticismo chamativo dos figurinos (Bruno Perlatto), na efusiva sincronicidade coreográfica (Victor Maia) e, especialmente, no requinte irrepreensível da direção musical( Tony Lucchesi).

Quanto ao elenco, o conjunto atrai pela organicidade representativa, pelo grau emotivo de sua entrega à fisicalidade gestual, pelo apuro vocal e maturidade de talento. Com destaques , entre tantos, para Erika Afonso, Cássia Raquel, Leandro Massaferi, Mateus Ribeiro e Marcelo Ferrari. Sem falar na carismática entrada de Wanderléa, revelando convicção de presença estelar e admirável folego setentão.

Em meio a tantos ingredientes para um bolo só, apenas um não lhe dá o necessário sabor. A extensão exagerada do espetáculo tornando mais perceptíveis as fragilidades na construção dramatúrgica, sem aparar seus excessos informativos, recortar mais os temas e editar melhor seu torrencial intervencionismo visual.

Mas, enfim, arrebentando com boas sacadas, abafando com brotos legais e papos firmes, gamando com suas canções,a receita faz o público degustar pilotando carangos, vibrando conclusivo, a uma só voz, 60! Década de Arromba é uma brasa, mora?...


                                            Wagner Corrêa de Araújo


60! DÉCADA DE ARROMBA -Doc. Musical está em cartaz no Teatro Net/Copacabana, quinta e sexta, às 21h;sábado, às 17h30m e às 21h30m; domingo, às 18h. 180 minutos. Até 19 de fevereiro.

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