OS REALISTAS: SOB A ESPREITA DA MORTE

FOTOS BY LÉO AVERSA


É esta mortalidade instalada em nós , onde o estar morto só é perceptível nos outros em sua entrega aos ainda vivos,  que traz o referencial do existencialismo sartreano e da absurdidade teatral na concepção do Will Eno de Os Realistas.

E é  o próprio autor que conceitualiza  a peça no fator absoluto da morte iminente ,  silenciosamente pressionando nossas relações uns com os outros. A consciência do incrível mistério da existência, o vazio de onde tudo veio e para onde tudo pode ir.

Numa ambiência de bucólico provincianismo, Júlia ( Mariana Lima), em impossibilidade dialogal com o reticente marido João( Fernando Eiras), subitamente é interrompida pela chegada do casal Pônei(Debora Bloch) e  José( Emílio de Mello) .

Na agitação falante, revelam sua vizinhança , afinidade de propósitos e a similaridade de sobrenomes. E nas breves ausências dos maridos, o espanto feminino lembrando a descoberta de enfermidades graves dos consortes masculinos.

De repente, a aparente alegria no desfrutar  o gozo das coisas mais simples do dia a dia de pessoas mais  que normais, vai se decompondo na conscientização ,sob a espreita da morte, da proximidade terminal de dois seres interligados neste quarteto amigável.

É , então,  que se estabelece um inteligente jogo cênico, onde as nuances do trágico  são anestesiadas por uma implosiva troca de palavras . Capaz de  surpreender , na sua aparente informalidade, como  um riso de  irônico disfarce, diante das absurdidades da condição humana.

Esta forma de escape  estabelece, por vezes, um clima incômodo para o público,  no seu nonsense do nada que leva ao nada, de sins e  nãos de posturas simplórias,  em tedioso tempo de espera pelas inevitabilidades do destino.

Mas, ao tomar as rédeas da desordenada sequencia narrativa, a direção de  Guilherme Weber mostra sua firmeza na meticulosa escolha  de exponenciais elementos estilísticos. Numa admirável arquitetura cênica de valoração trans/textual  ,  assumida na integralidade da marca da invenção.

No realismo dos objetos cenográficos e na funcionalidade dos figurinos( Ticiana Passos), contrastando com o encantamento e mistério  na transparente paisagem de um bosque ao fundo (Daniela Thomas/Camila Schmidt).Tudo sob um sutil desenho de luzes(Beto Bruel), sugestionando   inspiradora climatização  tchecoviana.

Na entrega total do elenco aos personagens, em esplendorosa interatividade de performances. Ora na densidade emocional de Mariana Lima, ora  no comovente equilíbrio com tensão de Emílio de Mello. Nos expressivos recortes de interiorização  de Fernando Eiras ou no mais que   carismático desempenho de Debora Bloch.


Numa destas instantâneas fulgurações criativas, capazes de serem reflexionadas na transcendência dramatúrgica do questionamento da morte pelas interpelações afetivas dos relacionamentos humanos.

OS REALISTAS está em cartaz no Teatro Poeira, Botafogo,quinta a sábado, 21h; domingo,às 19h. 100 minutos. Até 27 de março.

Nova temporada: Teatro Maison  de France,Centro/RJ,sexta e sábado, 20h;domingo, às 18h. Até 28 de agosto.

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