FOTOS/ GISELA SCHLOGEL |
“Tanto ruído no interior deste silêncio: são as vozes dos outros a falarem em mim, pessoas de quem gostei, pessoas que perdi, gente que tenho ainda.“ — Antônio Lobo Antunes /Quarto Livro de Crónicas.
Entre o escritor português Antônio Lobo Antunes e o ator
Pedro Paulo Rangel há particularizados pontos de contato, perceptíveis tanto por
passagens existenciais como por referenciais da criação literária e dramatúrgica
de um para o outro.
Sob energizado substrato teatral capaz de convergir, como provocação
estética do espetáculo O Ator e o Lobo,
na dramaturgia de P. P. Rangel, mixando inventivamente, em espontânea textualidade, a palavra literária de Antunes à sua palavra teatral de ator/autor.
Em mergulho auto-ficcional, com traços veristas, na vida de
ambos, entendida, assim, como um retrato conexo e identitário de dois criadores
distanciados além mar, sem comprovados laços parentais, apesar do aproximativo
sobrenome Antunes na primeira geração familiar.
Um lusitano e um brasileiro que se encontram através de crônicas
lidas do primeiro e ditas pelo segundo, sem se ater com exclusividade ao seu
original, ao mixá-las com a própria escritura do seu intérprete mor no ofício
performático. Contextualizadas em paisagem cênica (Fernando Mello da Costa) essencialista, no básico
mobiliário e de um telão, carregando incisivo inventário memorial.
Comandado em acurada concepção diretorial, por Fernando
Philbert, como um tributo ao meio século de
carreira e aos 70 anos completados, agora, por Pedro Paulo Rangel, um dos mais celebrados
atores de sua geração.
No entremeio de narrativas, ora de nostálgica nuance
melancólica, ora pelo fino sotaque de ironizado humor, na contação de estórias
e causos pitorescos das travessuras
da meninice, das descobertas adolescentes ou das alegrias de convívio com pais
e avós.
Mas também melancólicas, como uma visita hospitalar a um amigo
sob ameaça terminal ou na insistente presença
de cotidianidade espectral dos que partiram de vez. Numa proposta de one-man show presencial na elegância
coloquial de um recatado figurino (Helena Araújo).
Onde a integralização de uma teatralidade de poetizado teor
confessional, é potencializada emotivamente no recorte imaginário das
lembranças de arte e de vida, por projeções visuais e um desenho de luz (Aurélio
de Simoni) de simplicidade funcional. Sem deixar de citar a sensitiva intervenção de uma incidental trilha musical (Maíra Freitas).
Tomado por paixão e pleno de técnica, no uso de sua tarimbada
vivência cinquentenária nos palcos, Pedro Paulo Rangel transcende, longe de
quaisquer virtuosismos supérfluos, as nuances discursivas de um quase recital
literário.
Em representação de assumida introspectividade, mas sem nunca
deixar perder o ritmo, revelando competência dramatúrgica e maturidade atoral. Capazes,
sobretudo, de imprimir à representação de O
Ator e o Lobo, com o valioso suporte diretor de Fernando Philbert,
autoridade cênica e cúmplice empatia com o público.
Wagner Corrêa de Araújo
O ATOR E O LOBO está em cartaz no Teatro Poeira/Botafogo, de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h. 60 minutos. Até 2 de junho.
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