FOTOS/ CLAUDIA DANTAS - THIAGO PIQUET |
Na programação do projeto EntreDança 2019, há que se dar especial destaque ao conceitual de ideário negro, imprimindo visceral substrato estético/social
à performance coreográfica, no espetáculo/instalação - À Margem.
Onde há o encontro dos bailarinos cariocas Bruno Duarte e
Tiago Oliveira, o primeiro ligado ao movimento das danças urbanas na
especificidade do “krump” e o segundo
com um referencial curricular de dança contemporânea, ora em trabalhos
personalistas ora em grupos públicos como a cia. oficial de Ballet da Cidade de Niterói.
Acompanhados por Jhonatta Vicente, representativo DJ ligado
às pistas e às intervenções cênico/sonoras, natural do Rio com residência na
capital mineira, integralizando energizado tríduo coreográfico - musical de prevalente identidade negra.
Direcionados, através de uma dúplice concepção dramatúrgica (Fabiana
Nunes e Tiago Oliveira), em provocativa representação que faz deste À
Margem um potencial experimento coreográfico de incisivo recado politico/ideológico contra a marginalização social e a discriminação de raça e cor.
Capaz de surpreender desde a textualidade inicial quando o DJ, assumindo transgressora postura homo/black, visualizada numa
trans-indumentária e na mascaração feminina, transmuta um contraponto crítico na
individuação dos traços de máscula erotização e corporeidade viril dos dois bailarinos.
Num quase referencial irônico de exposição gay/clubber com garotos de aluguel, em
discricionária ambiência cenográfica - mesa de manipulação do equipamento
sonoro entre duas cadeiras vermelhas laterais, unidas por encordoamentos de
tonalidade rubra. Onde os dois performers
aguardam a sua hora e vez de entrada na pista coreográfica.
Na alterativa amostragem de dois corpos negros dialogando,
com tensa destreza física, quebrando
limites arena/plateia, sem artifícios cênicos, entre luzes focais, e bem condicionados à
funcionalidade de um figurino urbano básico (tênis, malhas, camiseta transparente,
calça e camisa grafitada).
Amarrados em minimalista delineamento gestual, sob o feeling
de reiterativos batimentos sincopados e da envolvência rítmica de aleatórios improvisos
sonoros em formatação sampler (Jhonatta
Vicente).
Contraindo o tônus muscular, ora em estado bruto de ataque e
defesa com impetuosa agressividade, ora no contraste de corajosa entrega
afetiva, sem preconceitos, entre corpos masculinos que se tocam.
Para não continuar À
Margem, nas trajetórias do icônico enfrentamento à exclusão ancestral, do
discurso da inferioridade racial às maldades pela violência policial, ao establishment no desprezo do sistema às comunidades
e às periferias urbanas.
Em tempos difíceis e de conturbadas perspectivas, estes dois bailarinos/coreógrafos negros em processo de desmistificação, pelo exercício criador da fisicalidade
sensorial, acabam dando, aqui, um valioso recado de salvação pela arte.
À MARGEM está em cartaz na Sala Multiuso, Sesc/Copacabana, de
quinta a domingo, às 18h. 60 minutos. Até 19 de maio.
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