FOTOS / ALVARO RIVEROS |
Em tempos de ameaça obscurantista da volta da censura, a versão brasileira da peça The Censor, de
1997, do dramaturgo escocês Anthony Neilson, recoloca em pauta os embates entre
uma cineasta e um funcionário estatal cujo ofício é tornar inacessível a
exibição de filme com conteúdo pornográfico.
Isto, evidentemente, dentro de um conceitual próprio de
sexualidade e erotismo, do seu departamento público, tornando de absoluta subjetividade
tanto as suas justificativas jurídico/morais quanto as razões estéticas dos mentores
da proposta fílmica. Numa espécie de dialetação ideológica direcionada pela
ambiguidade dos questionamentos e das respostas.
Num esforço coletivo em torno de uma concepção cênica, dividindo-se
em unicidade tríptica as múltiplas funções
da direção, produção e criação geral, há
nesta montagem de O Censor o
encontro teatral dos atores Alexandre Varella e Patrícia Niedermeier com o
cineasta Cavi Borges.
Incluídos, aí, os ofícios da cenografia (com básicos elementos
mobiliares) e da indumentária, com exceção apenas da reconhecida artesania de Luiz
Paulo Nenen nos efeitos luminares. Ao lado das projeções de recortes antológicos de Agnes Varda, Chantal Akerman, Erica Lust, Jane Champion e Maya Deren, sob o comando
mor de Cavi Borges.
Como, ainda, na dúplice função direcional/atoral através de
Alexandre Varella, no personagem do Censor,
e de Patrícia Niedermeier como a Cineasta,
tendo ainda uma participação, esta bem limitada, de Emilze Junqueira, no papel da Esposa do protagonista titular.
Onde há uma radical inversão no enredo, quando sua progressão
dramática passa do domínio impositor das alegações do censor para uma insistente persuasão da cineasta, pela defesa ideológica contra a explicitude pornográfica
vista por ele.
Ela encontra razões no
olhar além da imagem e de que perverso e ilícito é o que não aceita a
potencialização erótica como manifestação artística. Ao mesmo tempo em que aponta
nele um estado psíquico, pleno de humilhação e vergonha, por fazer parte de um submundo
de repressão aos prazeres secretos da sexualidade, ampliado na denúncia das
infidelidades de sua mulher.
Enquanto invasivamente penetra
em sua intimidade física, indo de uma inicial e sofisticada sedução para uma atrevida
impudícia gestual, em rompante e reveladora devassa dos seus subterrâneos fetiches.
Se há uma implícita provocação no dimensionamento psicofísico
da narrativa dramatúrgica, esta se fragiliza com uma certa nuance de superficialidade,
nos intermédios do delírio e do verismo, pela transgressiva instantaneidade de exposição dos
avanços na corporeidade do personagem.
Como, do mesmo modo, soam quase invasivas as intervenções cênicas
laterais entre o censor e sua mulher, quebrando a tensão e desviando a
concentração no conflito principal. Não havendo, também, uma maior interatividade acional,
para uma ideia básica de peça-filme, entre a representação cênica e as intervenções cinematográficas.
Alexandre Varella imprime ao seu personagem a convicção e credibilidade
necessárias, entre a repressão do oficio e o desalento de uma vida reprimida.
Enquanto Patricia Niedermeier sabe conduzir um papel de dual tessitura dramática,
entre um irônico moralismo e um atrevido primado do sensorial. Sem deixar de se ressaltar o desfavorecimento que uma subtrama causa na personificação de Emilze
Junqueira.
Num entremeio de contraditórias e preconceituosas decisões,
não permitindo quaisquer alternativas para a busca da livre reflexão,
tanto de um lado como para o outro, em lição mais que oportuna para os dias que
estamos vivendo.
Promovendo, enfim, um visceral confronto entre a intenção
primeira do criador artístico e o cerceamento da sua liberdade de pensamento e
ação no momento da entrega da obra ao seu destinatário final – o consumidor/espectador.
Wagner Corrêa
de Araújo
O CENSOR esteve em cartaz no Estação Net Botafogo, sextas e
sábado, às 20h, até 18/05. 75 minutos. Com previsão de nova temporada a partir
de 15 de junho.
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