S'IMBORA, O MUSICAL - A HISTÓRIA DE WILSON SIMONAL. Junho 2015. Fotos / Leo Aversa. |
A trajetória vertiginosa dos que se tornam ídolos da música
popular está sujeita aos reveses da fama, na maioria das vezes causados pelo
súbito desinteresse do público consumidor, no fácil apelo por outras novidades.
Mas no caso de Wilson Simonal o quadro tipificado teve outro
contorno, de trágicas consequências. Demolindo o difícil sonho de cantor das
multidões, alcançado a duras penas, desde sua sub condição social, de suburbano
pobre e relegado ainda ao preconceito da
cor.
Com seu indiscutível charme e swing, imprimido a um
repertório musical midiático, foi capaz de criar até uma chamada estética da
pilantragem, no sucesso de um cancioneiro que, inclusive, tinha substrato referencial
em tudo a que teve acesso.
Como seu “Carango” e as mulheres zona sul que quis, graças à “Mamãe que Passou Açúcar em Mim”. Mas que perdeu feio. Perdeu, sim, com a
aleatória atitude de delator no Dops, trocando seu título de black pop star pelo obscurantismo, como
suposto informante dos militares.
O bem urdido texto de Nélson Motta/Patrícia Andrade - S’Imbora, o Musical - a Historia de Wilson
Simonal - favorece a direção (Pedro Brício), na sua tentativa de fugir ao
estereotipado padrão dos musicais biográficos, onde o desfile das canções é
prioritário diante da linearidade de um enredo cronológico e quase incidental .
Além de ressaltar o fator dramatúrgico na construção do
espetáculo, o qualitativo comando teatral se estende a uma enriquecida
cenografia (Hélio Eichbauer) com os matizes do figurino (Marília Carneiro) e no
acerto das luzes (Tomás Ribas). Extensivo ainda à excelência da direção musical (Alexandre
Elias), além da adequada movimentação coreográfica/gestual (Renato Vieira).
Apesar de contar com um elenco equilibrado, mais favorecido
para alguns personagens como o de Thelmo Fernandes, em sua perfeita
contextualização de Carlos Imperial, é a icônica performance titular de
Ícaro Silva que tem um efeito hipnotizante aos olhos da plateia.
Nestes irônicos golpes do destino, a galhofeira pilantragem,
presente no repertório e na envolvência do cantor/ator, desvia seu sentido
lúdico quando uma "pilantra"
postura incendeia sua carreira. Na amargura da delação que ofende não só o denunciado mas o
denunciante fazendo se sentir indigno perante si próprio e diante dos outros.
E é esta ambientação cênica, reconstituída com expressivo
teor no confronto destes dois tempos tragicômicos em inspirada montagem, que
abre, assim, mais uma perspectiva, renovadora e menos convencional, do drama
musicado, vida e obra estelar em moldes brasileiros.
Entre o palco e a vida, a trajetória existencial na simbiose
com a criação cênica. Da bailarina que não dançou para não dançar ou da
enfermeira que não foi quando o sonho era ajudar sempre, Myrian Muniz se salvou como
atriz, para o bem de todos e para a felicidade geral da nação teatral
brasileira.
Nas veredas da pauliceia que a conduziram ao brilho do
proscênio labutou da Escola de Arte Dramática ao Teatro Oficina, para depois
encantar, neste permanente vir a ser de verbalização emotiva transmutada em
performance, no Teatro de Arena.
Da expressão no compasso tragicidade extrapolou para o cômico que
reside nos gestos humanos, numa visibilidade dada à filosófica lição de Henri Bergson, através de seus múltiplos
acertos em trajetória atoral sob a orientação concepcional de Augusto Boal.
E neste acúmulo de lavores teatrais deu a volta ao mundo
cênico com a fundação do Teatro Escola Macunaíma, incentivando a dramaturgia
paulistana através de seu incomparável fluxo energético.
E, ainda com seus repiques no cinema, na televisão e no show business, simbolicamente sinalizado
na sua direção do “Falso Brilhante” de Ellis Regina.
À posteridade foi ainda capaz de dar seu nome a um dos mais
importantes polos incentivadores dos voos dramatúrgicos – o Prêmio Funarte de Teatro Myrian Muniz.
E, aqui, sob formato de monólogo confessional, em dúplice
autoria de Cássio Junqueira e Cássio Scapin, dando asas ao imaginário interior
e à exterioridade gestual dela - Myrian Muniz - em “Eu Não Dava Praquilo”.
Na centralização da atriz/personagem numa cadeira postada em
pequeno tablado rodeado pela transparência de cortinas e de um figurino
despojado (Fabio Namatame), Cássio Scapin assume, com envolvência, o élan físico
e personalista da atriz.
E na adequada ambientação de sonoridades (Jonatan Harold) e
luzes (Wagner Freire), a direção de Elias Andreato arma os olhos da plateia na simultaneidade de uma evocação tributária e duelo estético, do viver absoluto para o oficio teatral.
Dando, enfim, uma superlativa lição, dimensionada no
transcender a mera caracterização imitativa pelo desempenho convicto capaz,
este sim, de mostrar a entrega ao ato performático como necessária legitimação do ser ator.
Wagner Corrêa de Araújo
EU NÃO DAVA PRAQUILO. Fevereiro de 2015. Foto / João Caldas. |
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