Adam Rapp é um dos mais destacados nomes da
dramaturgia americana contemporânea, tendo se notabilizado com suas incursões
pela literatura, pelo cinema, pela televisão e, ainda, na área musical.
Em incisiva temática de fundo mergulho nas zonas mais escuras
com as quais se defrontam amargurados personagens, na insensatez de sua luta de
suporte da condição humana num universo de absoluta adversidade.
Enquanto no “Inverno da Luz Vermelha” havia a prevalência do
espanto de um personagem condenado à solidão, na peça Hora Amarela, a protagonista Ellen
(Deborah Evelyn) duela sua sobrevivência com a claustrofobia subterrânea de um
porão.
Sob o contexto apocalíptico de uma metrópole em regime de
ocupação, ela aguarda uma resposta à partida sem volta de seu marido,
energizando sua combalida resistência com a vaga esperança do momento de trégua, aqui personificado na hora amarela.
Isolada neste bunker, ainda enfrenta o estranhamento das
súbitas chegadas de terrificados personagens. Desde um fugitivo anônimo com
referencias comportamentais muçulmanas e incomunicabilidade linguística (Daniel
Infantini), a uma mulher drogada (Isabel Wilker) com um choroso bebê na
mochila.
A sordidez destes misteriosos e indefinidos visitantes tem
sequencia com a miserabilidade de um ex-prisioneiro (Emílio de Mello), além de
dois personagens focados na eugenia racial, de incidência ocasional na finalização
da trama dramatúrgica (Daniele do Rosário/ Darlan Cunha).
A reverberante performance de Deborah Evelyn propicia seu
permanente domínio de cena e em torno deste intenso protagonismo, destacam-se a
carga dramática alcançada por Emílio de Mello e a expressiva linearidade de
Isabel Wilker.
Na generalidade do contexto cênico, na totalização
inventiva pelo alcance de um sotaque quase cinema, ressalta-se o comando
concepcional de Monique Gardenberg.
Que é superlativado com a cenografia de ambiência caotizada (Daniela
Thomas e Camila Schmidt), ao lado do mimético figurino (Cássio Brasil) e da funcionalidade de luzes sombreadas (Maneco Quinderé).
E, enfim, com o altissonante score musical (Lourenço
Rebetez/Zé Godoy), entre ruídos e frases musicais, transfigurando-se no
melancólico clamor da canção de Yael Naim
:
“Está tudo acabado,
acabado./Tudo acabado/.
Se nós perdemos a
melhor coisa que já tivemos”.
Original da Broadway, com inspiração nas séries policiais e
de suspense da TV americana, da lavra de um expert no tema como produtor e
roteirista, a peça de Keith Huff - Chuva
Constante - estreia no Brasil, na direção de Paulo de Moraes.
Em cena, o confronto da amizade de dois policiais, entre a
solidariedade e a divergência, numa trama dramatúrgica alicerçada num choque de
ideias sempre sob o fio da navalha, sustentando-se por consequências inesperadas.
De um lado, o tempestivo temperamento de Denny (Malvino Salvador) apesar da estabilidade da vida familiar e,
em paralelo, a introversão solitária de Joey (Augusto Zacchi). Em confessionais
encontros, reveladores de controversas trajetórias existenciais nos
labirínticos corredores da corrupção e do crime.
A concepção cênica, limitada a duas cadeiras, tem cinética iluminação
(Maneco Quinderé) com refletores laterais, como se fossem câmeras ao vivo de um
estúdio de televisão, pontilhada por projeções de videografismo e um agitado score
musical (Ricco Viana).
Numa confluência de elementos tecno-artísticos que contribuem
para o nervoso envolvimento da plateia, em permanente clima pontuado de
violência e morte.
A ininterrupta sequência não linear de fatos cruéis e
sentimentos traiçoeiros molha - impiedosamente - até os ossos, detonando
corações e mentes, como a incomoda, resoluta e constante chuva referida no
título original da peça (“ A Steady Rain!”).
A proposital indeterminação ambiental aumenta a inquieta
sensação de estranhamento palco/plateia, numa sincrônica captação cênica
assumida pela rédea criativa de Paulo de Moraes.
Tudo funcionando como uma partitura minimalista em moto continuo, executada com raro
virtuosismo por um coerente duo instrumental de vozes e gestos em ruidosa
execução emocional.
Numa irrestrita pulsão onde os personagens/policiais são
duelistas/atores que só atiram, com armas antagônicas, imbuídos de frieza
direcionada a um insensato mas certeiro alvo comum.
Wagner Corrêa de Araújo
CHUVA CONSTANTE. Dezembro de 2014. Foto / Evandro Holabey. |
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