FOTOS/JR. MARINS |
Nas últimas temporadas dos palcos cariocas houve o presencial de rica dramaturgia originária especialmente da Argentina e, em menor grau, de outros países vizinhos como o Uruguai. E é deste que acaba chegar à cena, por Victor Garcia Peralta, Tebas Land - uma obra do autor uruguaio Sergio Blanco, capaz de evocar, por sua proposta textual/dramática, a pulsão roseana conferida à palavra encantamento.
Ao retomar o arquétipo edipiano do parricídio, a peça
incursiona por um dúplice e original vértice
– a narrativa detalhista de um crime hediondo por aquele a quem foi imputado –
o presidiário Martin – e o processo inventivo de um dramaturgo e escritor – Otto
- para alcançar sua transposição cênica.
Com singular desdobramento destes dois personagens – transitando
entre o verismo e o imaginário, entre o documental e o ficcional, quando um ator
tanto representa o papel de Martin (Robson
Torinni) como sua própria personificação (Robson) do ofício performático. E, também, em plano inverso, quando o outro, o dramaturgo Otto (Otto Jr.) se divide entre as funções de
autor, diretor e de intérprete ao contracenar com Robson/Martin.
Concepção conceitual que, sob o aspecto investigativo, ainda mergulha em referencial literário e psicanalítico a partir da ancestralidade
temática na tragédia de Sófocles – Édipo
Rei. O parricídio visto, enfim, pelas suas derivações literárias emblematizadas
em Dostoievsky
(Os Irmãos Karamazov) e em incursões titulares, da ficção de Maupassant
ao ensaio psicanalítico de Freud,
passando ainda por sutilizada citação de Pasolini.
Embora a arquitetura cenográfica (José Baltazar) apenas
replique realisticamente as indicações originais, há uma absoluta funcionalidade
nela como um espaço gradeado, alterativo entre cela prisional e quadra de basquete, paralelo a um gabinete
exterior com uma mesa e quadro negro/tela utilitário às projeções de fotos e anotações com giz.
Onde incisivas marcações luminares (Maneco Quinderé) se
destacam por suas variações tonais entre luzes vazadas no proscênio e modulações focais acentuando
passagens de corte laminar, como o visceral solilóquio confessional de sangue e lágrimas do prisioneiro.
O score sonoro (Marcelo H.) sintoniza a nuance mais
popularesca de uma canção brega/sentimental de Agnaldo Timóteo com a galante melancolia de acordes clássicos do Andante do Concerto 21, para piano e orquestra
de Mozart, estabelecendo liames entre
a rusticidade e o intelectualismo dos
dois personagens, o prisioneiro e o dramaturgo. O que não ocorre, no entanto,
com muita clareza no contraponto atemporal da indumentária (criação coletiva) que,
no caso de Robson, fica mais próxima do fashion esportivo que do sistema
penitenciário.
No prólogo, perpassa um certo estranhamento quando o
dramaturgo (Otto) avisa, em nome do espaço teatral, que houve necessidade de
procedimentos burocráticos e policialescos para viabilizar a montagem. O que soa
como uma episódica artificialidade, mesmo diante de uma proposição textual de teatro
dentro do teatro ou de teatro documentário.
A partir daí, o espetáculo vai assumindo, sob a gramática diretorial de Victor Garcia Peralta, uma potencialidade carismática que se expande em cena alcançando a cumplicidade do público. Tanto pelo rigorismo com que usa de recursos estéticos para marcar as pontes entre o processo de criação e a própria representação,
como por seu crescendo como impulso inventor direcionado à progressiva e provocante carga dramática.
Sabendo dominar e explorar os contrapontos e as oponentes
atmosferas com que fluem as diversas camadas interpretativas e o contrastante
dimensionamento psicológico entre as cenas, Otto Jr. reafirma sua já reconhecida
competência artesanal.
Enquanto Robson Torinni enfrenta o desafio de um papel que exige simultânea espontaneidade física
e introspecção emotiva para expor um status sensorial de marginalidade,
desalento e solidão, sem incorrer nos estereótipos afetivos do subliminar relacionamento
entre dois homens.
O que ele, em irrepreensível favorecimento de talento e técnica, converte, com garra e sem quaisquer hesitações, numa das mais surpreendentes criações atorais do ano teatral.
O que ele, em irrepreensível favorecimento de talento e técnica, converte, com garra e sem quaisquer hesitações, numa das mais surpreendentes criações atorais do ano teatral.
TEBAS LAND está em cartaz no Oi Futuro/Flamengo/RJ, de quinta
a domingo, às 20h. 100 minutos. Até 21 de dezembro.
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