A ÚLTIMA AVENTURA É A MORTE: TEATRO DE IMERSÃO COM POESIA E PÂNICO


FOTOS/SIMONE RODRIGUES

“...Que o solo é o abismo a vida um salto pois Deus está morto seus anjos órfãos não emprestam mais suas asas seu esqueleto gira no espaço...” (Heiner Muller – Nota 409).

Conhecido especialmente pelas montagens brasileiras de Hamlet Machine e Quartet, H.Muller também se destaca, além de sua obra dramatúrgica, por seu inventário poético. Sempre, nos dois formatos, sob um contextual de polêmica tanto na sua enunciação temática como em sua inventiva construção estética.

Um de seus derradeiros poemas – Nota 409 – original de 1995, ano de sua morte, inspira o mais recente ideário teatral da singular Cia. PeQuod, próxima de completar duas décadas com prevalência da especificidade do teatro de animação, sob o artesanal comando de Miguel Vellinho. Espetáculo este a que se conferiu a emblemática titulação de A Última Aventura é a Morte.

Em clima de assombro e de desalento, o poema, entre reflexões politicas, referências históricas, recortes e citações filosóficas, literárias, teatrais e cinematográficas, investiga em linguagem poética/imagética o boom dos horrores que se tornou coloquial ao difícil suporte da condição humana, neste no sense de uma civilização em reiterativo estado de pane.

Assim, na concepção dramatúrgica que a Cia.PeQuod imprime, com literal visceralismo, à gramática em versos livres de Muller desfilam em fina sintonia imagens documentárias projetadas, simultâneamente, nos dois telões frontais, com cenas de perversidade, pavor, violência e destruição ecoando a maldade implícita numa sociedade conservadora ancorada por falseados valores.

Enquanto a narração direta e seca da voz em off do ator Osmar Prado se torna mais veemente na sua conexão com as projeções visuais, emolduradas por incisivo score sonoro autoral (Fábio e Felipe Storino) e pela abertura de janelas laterais com figurações dramáticas ora pela caracterização dos atores (Liliane Xavier, Mariana Fausto, Miguel Araújo, Paulo de Melo, Maksin Oliveira e Diego Diener) ora pela manipulação de bonecos.

Onde a arquitetura cenográfica (Dóris Rollemberg) se desenvolve com a convivência dialetal destes elementos de plástica imaginária, estabelecendo equilibrados parâmetros numa ambiência interativa de instalação entre a videoarte (Renato/Ricardo Vilarouca) e a representação performática de atores e bonecos.

Possibilitando, assim, que a corporeidade do espectador, no entremeio destas modulações cênico/fílmicas, estabeleça um diálogo sensorial e reflexivo com a proposta dramática. Ampliada, sobremaneira, pelo funcional uso de recursos tecnoartísticos como um desenho de luz (Renato Machado) replicando efeitos oníricos na envolvência de visuais energizados pelo impacto certeiro de suas tematizações insólitas.

Com perceptível acerto na indumentária (Kika de Medina) característica e na linguagem gestual  (Bruno Cesário) de alusões oblíquas entre a elegância ritualística e o pesadelo, de proximidade com o cinema e a pintura expressionista.

Ao dedicar a montagem - “a todos os povos oprimidos, aos indivíduos que foram silenciados e às minorias reprimidas” - Miguel Vellinho transcende, na redenção pela arte, todo referencial do poema aos vitimados pelas intolerâncias de quaisquer gêneros.

Contrapondo mortos e carrascos como Pasolini e Pelosi, indo das pulsões tirânicas da Gestapo de Hermann Göring à repressão sexual do "mefistofélico" ator Gustaf Gründgens, sem esquecer a crua reconstituição da “última aventura” das mortes encomendadas pelo terrorismo.

Na solidez da postura crítica de um teatro de imersão sintonizado com sua época capaz, em processo catártico, de fazer aflorar, ao mesmo tempo, sentimentos de indignação e de solidariedade.

                                       Wagner Corrêa de Araújo


A ÚLTIMA AVENTURA É A MORTE está em cartaz no Teatro 2 do CCBB/Centro/RJ, de quarta a domingo, às 19h30m. 45 minutos. Até 16 de dezembro.

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