FOTOS/ JÚLIO RICARDO |
Desde a ancestralidade existia a afirmação filosófica de que
é o medo o responsável pela criação dos deuses e das religiões. E a “morte de Deus” começa no questionamento
da bondade divina diante do mal, da miséria, do horror e de todas as adversidades
que marcam a trajetória do homem pela
terra.
Partindo, contraditoriamente,
da afirmação cristã de Santo Agostinho de que “Deus permitiu o mal para dele extrair o bem”,
Mário Bortolotto escreveu sua polemizada
trama dramatúrgica “O Que Restou do
Sagrado” . Quase com um reflexo tardio de um período de “trevas” que teria vivido como
seminarista.
Num simbológico
referencial sartreano, ele reúne sete personagens “entre quatro paredes”, representadas
aqui no espaço de uma igreja claustrofóbica, capaz de abrigar apenas 20
lugares , destinados a uma plateia de olhares armados por uma situação de risco iminente.
Metaforicamente confinados numa câmera de torturas em que torturados e torturadores se confundem
, incluídos os próprios espectadores.
Diante da demolição do paraíso bíblico, a única certeza é a
da condenação que acontece na ácida transmutação coletiva de que ali “ o inferno são os outros”.
As mais torpes personificações dos desejos e as mais abjetas manifestações
da faixa marginal da sociedade são aqui assumidas por uma linguagem livre,
desbocada, próxima do pornográfico e do escatológico.
Mas conduzida pela força da entrega e pela busca de surpreendentes possibilidades interpretativas
para um elenco jovem ( Ana Carolina Dessandre, Carolina
Godinho,Daniel Bouzas,Diogo de Andrade Medeiros,Fábio Guará,Elio de Oliveira, Lucas
Tapioca e Monique Vaillé).
O que não é nenhuma novidade , sabendo-se do já bem sucedido
dossier artístico das duas Cias ( Grupo Fragmento e Tartufaria de
Atores), unidas agora na teatralização
desta proposta.
Juntando o reforço técnico de integrantes próprios como Diogo
de Andrade Medeiros(cenografia), Monique
Vaillé (produção) e Nirley Lacerda( trilha sonora e direção) , ao
profissionalismo de Patrícia Muniz(figurinos) e Paulo Cesár Medeiros(
iluminação).
A concepção e o firme comando de Nirley Lacerda asseguram
credibilidade a um espetáculo limitado não só pelas suas próprias condições de
espaço físico, mas também por uma temática difícil por sua incomoda e perfurante provocação de nossos medos .
Mas que resultou maduro, sério, reflexivo. Compensando,
enfim, o soco na postura anestesiada por um falso espiritualismo de fuga aos
desacertos de nossa trágica aventura neste terreno mas enigmático mundo .
O QUE RESTOU DO SAGRADO está em cartaz no Castelinho do Flamengo, Praia do Flamengo, terças e quintas, 20h30m. Entrada franca mediante senhas. 50 minutos. Até 12 de maio
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