TITANIQUE - O MUSICAL : A TRÁGICA TRAVESSIA MARÍTIMA TRANSMUTADA EM PARÓDIA BESTEIROL, SOB UM SOTAQUE QUEER E CONTAGIANTE TRILHA JUKEBOX

 

Titanique. Blue, Rousoli e Mindelle/Dramaturgia Original. Gustavo Barchilon/Direção Concepcional. Dezembro/2025. Caio Gallucci/Fotos.


Assim como Mamma Mia (2001) se transformou num clássico do musical jukebox, do West End à Broadway, dimensionado exclusivamente no entorno dos sucessos exclusivos de uma banda e de um cantor, Titanique tornou-se outro incrível fenômeno do gênero.

Paralelo à versão cinematográfica de James Cameron (1997) onde a trilha privilegiava a canção tema My Heart Will Go On, da compositora e cantora canadense Céline Dion, sequenciada por uma versão para teatro musical, ainda no mesmo ano, e uma posterior releitura-paródia, no circuito off Broadway.

Mas para que o conceitual burlesco, na extravagância hilária das referências eróticas em compasso queer, nas situações no sense insinuadas por um tratamento entre o absurdo e o besteirol, a partir de uma narrativa inspirada por uma tragédia real, não perturbe muito o conservadorismo acomodado de muitos espectadores, alguns requisitos dramatúrgicos foram essenciais.

E foram estes, com certeza, a razão do grande êxito deste musical-paródia a partir do ideário original de seus realizadores e reproduzido com artesania pelos responsáveis do musical, abaixo dos limites da linha equatorial, sob a ressonante direção artística/concepcional de Gustavo Barchilon.


Titanique. Blue, Rousoli e Mindelle/Dramaturgia Original. Gustavo Barchilon/Direção Concepcional. Dezembro/2025. Caio Gallucci/Fotos.


A começar pelo acerto de sua versão dramatúrgica, realizada em dúplice parceria com o roteirista Rafael Oliveira. Mais a direção musical de Thiago Gimenes e a de movimento por Alonso Barros, tudo a partir de outro dos projetos de Gustavo Barchilon, resultado de sua vasta expertise em musicais da Broadway e do West End londrino.

Numa bem cuidada produção contando com um elenco de craques, entre atores/cantores do teatro musical, ao lado de intérpretes mais voltados para uma linha do humor tanto nos palcos como nos programas e séries de televisão. Reunindo entre os principais protagonistas Alessandra Verney, Giulia Nadruz e Marcos Veras, além de George Sauma, Luís Lobianco, Talita Real, Wendel Bendelack e uma atuação singular da atriz trans Valéria Barcelos.

O preenchimento realista da caixa cênica (Natália Lana) tem assumida proximidade com a visão pictórica do convés de um antigo transatlântico em dois planos, desde os funis de vapores da parte superior do navio até a plataforma de baixo, através de porta que sugestiona o acesso a outras ambiências como cabines e salão cerimonial de festas e refeições .

Onde uma plasticidade funcional é ressaltada pelos efeitos luminares (Maneco Quinderé), na mutação focal de espaço-tempo por onde transita o elenco de 12 atores, na diversidade de suas indumentárias (Theo Cochrane).  Ora formalistas sob um toque atemporal, ou conectadas a anárquicos e irreverentes detalhes, trazidos por certos personagens, desde o vermelhão brega do coração do oceano à louca cafonice de um décor de pomba para cabelos.

Numa sempre expressiva corporeidade imprimida por Alonso de Barros, equilibrada entre as passagens de um romantismo novelesco, ampliada pelas canções do repertório sentimentalóide de Céline Dion, e um gestual risível, espontaneamente afetado ou atrevido.  

Alessandra Maestrini a delirante narradora como um ícone gay, faz a luxuriante diva (Céline Dion), arrasando por seu proposital sotaque gringo, além de uma potencialidade vocal cuja extensão só é superada pela luminosa tessitura de soprano de Giulia Nadruz (Rose). Caindo de amores por Rose, o deslumbrado e não menos simplório marinheiro Jack (Marcos Veras), completa, convicto, o alcance do timing cômico/amoroso do musical.

Estendendo-se o brilho do naipe feminino na peculiar performance da sobrevivente Molly Brown (Talita Real). Sem deixar de destacar os arroubos histéricos de Louis Lobianco no excêntrico personagem drag de Ruth, a mãe de Rose, além do humor camp explodindo ainda com Carl (George Sauma) o noivo frustrado, e Victor (Wendel Bendelack), o capitão do navio.

Gustavo Barchilon mais uma vez, num surpreendente gol de placa no campo conceitual do teatro musical, sabendo destilar bem seu mordaz contraponto crítico no desafio à grande tradição, com ironizado humor e inventivo olhar estético-direcional armado na contemporaneidade...

 

                                        Wagner Corrêa de Araújo

 

Titanique – O Musical está em cartaz no Teatro Sabesp/Frei Caneca/SP,  sábado, às 17 e às 20h; domingo, às 15h e às 18h, até o próximo dia 14 de dezembro.

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